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Anarchy Ink.
Não sabemos o que queremos, mas sabemos como conseguir
domingo, 7 de setembro de 2014
segunda-feira, 2 de junho de 2014
Imortalidade
Eu nunca
suspeitei encontrar algo desse tipo num bairro como esse. Condomínio cercado,
rádio-patrulha vinte e quatro horas por dia, alta sociedade, muros e cercas
elétricas.
Escutei
movimento vindo desta casa e, cautelosamente, fui conferir. Havia um cheiro
azedo no ar, mas desde que a água e eletricidade foram cortadas, esse era o
aroma de qualquer lugar, igual a essência que eles transpiravam. O mundo, mesmo quando recheado das flores,
exalava carniça onde quer que fosse. Ah, os novos tempos...
Desci
vagarosamente as escadas e ouvi um gemido. "Me azarei...", pensei.
Segui sorrateiramente. Agora ouvia o som dos dentes arrancando pele, carne e
tendões dos ossos. Martelo em riste, aproximei-me. Uma nova essência tocava meu
nariz. Ferro... Ferrugem... Não... Sangue. Sangue fresco. Chegara tarde. E não
por muito tempo. O porão escurecia a medida que eu descia. Acendi minha
lanterna, mas ela parecia não funcionar. As paredes eram todas pretas, assim
como chão e teto. Estantes e prateleiras e vidros e potes e velas mobiliavam o
lugar. Corri a lanterna por todos os cantos e encontrei apenas um fazendo um banquete em cima do que
pensei, a priori, ser uma simples mesa. Corri em direção à coisa e desci o
martelo umas sete vezes em sua cabeça. Fora mais do que o suficiente para fazer
o trabalho, porém, me empapou de sangue podre e carne morta. Analisei o redor
para ter certeza de que estava sozinho. Limpo. Olhei para a vítima. Era uma
linda mulher. Morena de pele branquinha como leite. Estava nua. Porque diabos
uma mulher estaria nua com um deles?! Senti vontade de vomitar... A boca estava
aberta e os olhos revirados. O pescoço e seio esquerdo haviam sido dilacerados
e o sangue, apesar de coagulado, ainda era fresco. Mirei a lanterna na coisa
que eu abati. Estava nu também. Observei atônito por alguns segundos. Corri a
lanterna em todas as direções e comecei a entender. Havia candelabros e
castiçais por toda a parte. Voltei até a cozinha, lembrei de ter visto alguns
fósforos por lá. Acendi as velas e pude ver do que se tratava aquilo: era um
altar de magia negra. Havia símbolos desenhados nas paredes, no chão e na
"mesa", uma geladeira vermelha, livros e grimórios - um pedestal
feito de um material que eu espero que esteja imitando ossos com um tomo aberto em cima - e dois cadáveres nus, o
no chão e a outra no altar.
Curioso,
fui até o pedestal. O tomo era grosso, maior que O Capital ou Ulysses. "Imortalidade"
estava escrito com tinta vermelho-sangue.
A letra parecia feita a mão, e o papel, amarelado pelo tempo. A lombada era
amarrada com sisal - esse era novo. Li algumas palavras e algo me chamou a atenção:
"A ascensão do guardião se dará após o ritual. Implacável. Nada rasgará. Devorado
o tempo será.". Um monte de besteira sem sentido. Como que alguém acredita
nisso?! Como se não bastasse o apocalipse ter chego, sem trombetas ou
cavaleiros - apenas carne podre ambulante - as pessoas fazem rituais... Tiram a
vida de outrem para... Para...
Lembrei que
deveria arrebentar os miolos da guria. Olhei para a bela carcaça imóvel sobre o
altar naquele porão macabro. As projeções do seu corpo, produzidas pelas velas
dançavam nas paredes - cinco delas no total -, interligavam-se por extensões
das sombras dos membros, formando um pentagrama. Não sei dizer se isso era
proposital, mas, confesso que meu sangue gelou perante aquilo. Respirei fundo e
apertei o cabo do martelo com força. Aproximei-me e brandi a ferramenta. Havia
algo estranho no rosto dela: a serenidade tomou o lugar do desespero. Os olhos
revirados estavam fechados e a boca escancarada havia cerrado. Ela parecia
dormir tranquilamente. Eu tinha certeza de que não fora assim que eu à tinha
encontrado, mas a memória começou a me faltar. A certeza e convicção se
esvaíram, junto com meu ímpeto de quebrar-lhe o crânio. Tão bela... Algo me
chamava ali. Era como se eu à conhecesse havia muito tempo. Tão bela...
Sentei-me
no chão. Curiosidade. Ansiava por algo. Esperava por algo. Fiquei olhando
aquelas sombras dançando nas paredes. Havia uma música no ar e eu sabia disso.
Apenas não conseguia de fato escutá-la, mas ela estava ali. Invadia os meus
poros e penetrava no meu cérebro. Se tivesse um piano na minha frente eu
poderia tocá-la, mesmo sem nunca ter... Eu já tinha ouvido isso, não lembrava
onde. Comecei a repassar o tempo na minha cabeça. Pessoas... Apenas pessoas...
Nenhum nome. Estranhei. Henrique? Diego? Douglas? Não... Marta? Janaína?
Rafaela? Também não... Nada soava familiar. Meu pai era... Era... Como é?
Eu sou o...
Eu fui o...
...
O tempo
passou e eu não sabia o quanto. Levantei e olhei o livro. Um monte de palavras
embaralhadas ali. Tentei ler e não consegui. Elas se perdiam na minha cabeça, e
as que surgiam não faziam sentido. Ela. Eu precisava dela. Para quê?
Por que ela
não se transforma? Já faz muito tempo que eu estou aqui. Já faz muito tempo que
ela está ali. Não tenho certeza se essas foram afirmações ou perguntas. As
frases apenas chegaram à minha cabeça. Por quê? Por quê?
Calmaria...
Por quê?
O quê?
Eu sou...
Quem?
Ela se
levantou.
Por quê?
Sorriu. Nua.
Bela. Era ela... É ela! ELA!
Tão bela...
Ela! Tão bela...
Terminou.
Sim... Ela! Tão bela... Aqui!
"Hora
de dormir", ela disse.
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