O
entardecer em San Miguel sempre fora um espetáculo da natureza. Os vales entre
as colinas que rodeiam essa pequena cidade, criam corredores naturais para que
a brisa marítima, que adentra os continentes no crepúsculo do dia, possa
refrescar mais um dia de intenso calor no interior da Califórnia. No chão, ao longe, era possível ver as sombras das nuvens, que ficavam logo abaixo da luz escarlate do astro supremo refletida na nossa atmosfera. E a lua no céu, para os admiradores, nesses momentos, joga em nossas caras o quão pequeno somos e como é vasto o universo. Nos faz imaginar como seriam os lugares os quais nunca fomos, mas que imagens produzidas ali perto, a menos de cem quilômetros, em Hollywood, nos davam uma pista, de como, provavelmente, esses lugares NUNCA seriam.
Todos
retornavam de seus afazeres. Sejam eles realizados nas fábricas, nas lavouras
ou no comércio. As de “moças de vida fácil” se dirigiam para os cabarés,
recepcionar os caminhoneiros e viajantes das vias férreas. Eram as únicas que
realmente trabalhavam a noite, pelo fato de San Miguel ser uma cidade
totalmente pacata.
Porém,
somente um velho lembrava-se de como tudo aconteceu. Johnston era o seu nome. Aquele
entardecer era diferente dos outros, mas igual àquele de sessenta anos atrás. Mr.
Johnston havia sentido um calafrio ao acordar, e tinha atribuído-o a, talvez,
um princípio de gripe, mas não dera bola. Foi um erro. Ele sabia. Flashes
espocavam em sua memória. O terror de sua infância. As horas preso naquela
saleta escura, que só tinha uma entrada e uma mesma saída: uma porta folheada
com prata. Ele gritava pelas ruas. Gritava desesperadamente:
- CORRAM
PARA A SALA COM A PORTA DE PRATA!
E repetia
cada vez mais alto.
- CORRAM PARA
A SALA COM A PORTA DE PRATA!
As pessoas
olhavam-no de forma estranha. Um jovem casal ria da cena, de um velho caquético
correndo pelas ruas, dando a impressão de que a bengala que sempre viram-no
usando para auxiliar a sua caminhada era apenas um ornamento, ou uma questão de
estilo de um velho gagá.
Uma porta
de madeira folheada de prata não era algo muito comum, de fato, mas era a casa
de um antigo rico excêntrico, cujo o filho era muito seu amigo. Brincavam de
esconde-esconde na casa, quando o primeiro apareceu. O então garoto Johnston só
escutava os gritos provenientes, num primeiro momento, da rua. Imaginava se
tratar de algum tipo de festa dos adultos, porém, eles foram se aproximando.
Cada vez mais alto! Até que os gritos começaram a ecoar dentro de casa, e em
seguida ele os escutava na sala ao lado, e no corredor para o qual dava a
bendita porta de madeira folheada de prata. Essa, por sua vez, foi forçada uma,
duas, três vezes, mas, sem nada conseguirem, o que quer que fosse, virou as
costas e foi embora.
A sanidade
de Mr. Johnston foi preservada, uma vez que ele não viu de fato acontecer o que
tinha se passado: corpos mutilados no chão, em cima das mesas, nas sarjetas,
nem mesmo na “casa onde ele era estritamente proibido de passar perto, porque
as pessoas faziam coisas indecentes”, ordem essa que ele desobedeceu, encontrou
alguém. Talvez por ter apenas dez anos e estar, sem duvida alguma, totalmente
apavorado, não procurou direito – e nem há como culpá-lo. Contudo, outras três
pessoas, dois adultos e uma adolescente, sobreviveram o massacre junto com ele.
Os adultos decidiram cuidar dele, já a jovem não teve dúvidas. Passados sete
dias, e com os moradores da cidade que estavam viajando, seja a trabalho ou de
férias, não acreditando nos relatos das três testemunhas, sumiu da cidade e
nunca mais foi vista. Os dois adultos tomaram conta do pequeno Johnston. Quinze
anos depois, ambos haviam morrido de doença e o agora jovem Johnston já era um
homem feito, com uma vaga lembrança daquele dia que, com o tempo, foram se
tornando cada vez mais vagas.
Até hoje.
- CORRAM
PARA A SALA COM A PORTA DE PRATA!
Ele tornava
a gritar, mas nem sua família lhe dava ouvidos.
Então caiu exausto e nada mais
viu.