sábado, 21 de julho de 2012

"Nombarath Vs Ishtar" parte 4 de 7


            O dia seguinte era domingo. Alana acordou com o barulho da televisão. Elas acendiam automaticamente nos horários programados para as transmissões oficiais, na verdade, era praticamente a única coisa que a televisão transmitia. Resmungou qualquer coisa, calçou um par de chinelos próximos à cama e desceu as escadas e foi até a sala. Seu avô estava assistindo. Zhalmyr fazia um novo pronunciamento, atualizando, como de costume, o povo em relação à guerra. Trajava a mesma vestimenta de sempre. Alana lembrou-se de Leonora fazendo graça das roupas do Soberano, então sorriu.
            Zhalmyr falaca que as tropas de Nombarath tinham capturado um importante oficial inimigo, que seria torturado, e, assim, seriam arrancadas da boca do rato, informações preciosas que poderiam vir a ser cruciais, reduzindo o tempo de ausência de seus lares, os honoráveis e destemidos soldados Nombarathianos. Em seguida, o Soberano avisou que um documentário sobre as perversidades de Ishtar seria transmitido. Alana normalmente ficaria interessada, mas, naquele momento, estava mais interessada em voltar ao seu quarto e escrever uma resposta a Ranzo. Iria contar-lhe sobre as boas novas – a captura do oficial inimigo – e que em breve estariam juntos novamente. Lembrou que Zhalmyr informou o nome do pelotão que capturou o general, dessa forma, perguntou se ele fazia parte do grupo. Escreveu mais algumas declarações de amor e, então, dirigiu-se ao centro de correspondência da cidade.
            A fila estava enorme. “todas as mulheres da cidade tiveram a mesma ideia que eu...”, pensou. Lá pelo meio da fila, avistou Leonora, que abanava em sua direção. Saiu do seu lugar, último da fila, e dirigiu-se até a amiga, sob os protestos semi silenciosos de muitas pessoas, mas não se importou com isso.
            - Leô! Chegou ontem a carta do Eanzo! Ai! Que alívio!!! – novamente, não se deu conta que estava exaltada.
            - Eu te falei, mulher! Bom, mas e aí? Conta tudo!
            - Ai, amiga... linda a carta como sempre, né!? Mas ele contou também como ele matou dois daqueles ratos nojentos!!! Meu herói!
            - Ah, é? Meu Thânos também fez uma proeza! Foi épico! Estava cercado, ok? – Leonora gesticulava muito com as mãos, esboçando círculos e pessoas – eram dois também. Dois ratos. Apenas uma faca. Zás! Pegou o primeiro e depois jogou a faca no outro. Lindo, não? – Alana ficou surpresa. Estranhou. Pensou...
            - Como é que é? Repete, por favor?
            - Incrível, né? Claro, repito sim. Eu também não acreditei na primeira vez que li... – Então, Leonora repetiu com calma e detalhadamente a história.
Era exatamente a mesma história que Ranzo descrevera em sua carta!
- Não pode ser, Leô... – Alana falou atônita.
- Ué, e porque não? O Thânos também é um bom soldado e...
- Não é isso! Vem... Vem comigo! – Alana pegou a amiga pelo braço e puxou-a para fora da fila.
- Hey, mas e a fila?! Tenho que enviar esta carta e... – Alana parou e olhou com aflição para a amiga. Preocupada, Leonora perguntou o que se passava.
- O Ranzo contou-me exatamente a mesma história na carta dele!
            - O que?!
            - Tem alguma coisa errada, Leô. MUITO ERRADA! Venha, vou te mostrar, - E saíram as pressas em direção a casa de Alana.

terça-feira, 17 de julho de 2012

"Nombarath Vs Ishtar" Parte 3 de 7


            - Vovô! Cheguei! – Alana falou ao chegar depois de mais um dia de trabalho. Ela ouvia barulhos de marteladas e serras a distância, vindos do segundo andar de sua casa. Seu avô encasquetara que iria fazer um esconderijo secreto, por precaução, caso o pior acontecesse durante a guerra. Ela achava graça, pois todo mundo sabia que estavam vencendo a guerra.
            Devido à idade de setenta anos e a barulheira das ferramentas, ele não havia escutado a neta. Alana, percebendo que o avô não respondera, foi até o cômodo e gritou “Vovô!”. Assim, o senhor calvo e com alguns fios grisalhos remanescentes ao redor, levantou os óculos de proteção para os olhos, enquanto girava a cabeça em direção a neta. Ele ficou em silêncio por uns instantes e com o olhar perdido.
            - O que foi vovô? – Perguntou intrigada.
            - Como tu estás parecida com a tua mãe e também com a tua avó Hehehe... Levei um choque...
            - Para, vovô... O senhor sempre diz isso...
            - Eu sei, eu sei... Mesma tonalidade avermelhada dos cabelos, olhos verdes, nariz de batatinha...
            - Tá bom, vovô. Ok... – Respondeu com ternura, mas com a falta de paciência de quem já ouviu a história mais de cem vezes. – O que o senhor quer jantar?
            “Surpreenda-me”, os dois falaram ao mesmo tempo e riram.
            - Suas tiradas estão ficando previsíveis, seu Nikolai.
            - É a velhice... Depois eu invento algo novo.
            - Certo... Vou fazer a janta... – Alana se virava quando Seu Nikolai a interrompeu.
            - Chegou uma carta do Ranzo hoje mais cedo.
            - Sério?! – Não percebeu, mas tinha gritado. Saiu correndo para pegar a carta, mesmo sem saber onde estava.
            - Deixei em cima da tua cama! – Gritou o avô, ao perceber, pelo barulho, que a neta descia as escadas. Ela parou subitamente, então os barulhos dos paços voltaram a aumentar de volume e tornaram a baixar, pois Alana, agora, se afastava da peça onde o avô se encontrava e rumava para o seu quarto.
            Ao ler a carta ficou aliviada, porém, confusa. Sentiu que a carta estava curta de mais e direta de mais. Não sabia dizer o motivo, mas logo creditou a sua mente saudosa e preocupada. Atribuiu também a expectativa proporcionada pelo atraso, logo, não deu mais bola para isso.
            Gostou muito da parte romântica. Ranzo não era um estereótipo de soldado. Era muito romântico. Alana sentia o peito aquecer e o corpo derreter, e, assim, como todo bom Nombarathiano, gargalhava na parte em que o namorado contava como matou dois Ishtarianos usando apenas uma faca. Primeiro fora cercado e estava sem munição. Em seguida se escondeu atrás de uma árvore de tronco muito expeço. Agachou-se e esperou. Quando viu o pé de um dos desgraçados, cravou-lhe a faca e, levantando-se com agilidade, fez um corte vertical no pescoço do infeliz, utilizando a mesma faca. O segundo, vendo que o companheiro não tinha mais salvação, disparou uma rajada de 10 tiros em Ranzo. O jovem soldado Nombarathiano usou o corpo da vítima como escudo e tomou abrigo novamente na árvore. O Ishtariano pensou que Ranzo iria utilizar a arma do companheiro abatido para contra-atacar, e isso levaria algum tempo, pois ele teria que tirá-la das mãos mortas do soldado e empunhá-la, então, girou nos calcanhares e correu em direção a uma árvore. Todavia, Ranzo não investira na submetralhadora do inimigo, apenas tomou abrigo. Em seguida, espiou o alvo e, vendo que corria, cometendo o grave erro de dar-lhe as costas, arremessou a faca, que acertou em cheio a nuca, dando fim a mais um Ishtariano nojento.
            Satisfeita com a façanha, aliviada pela carta e apaixonada pelo romantismo (e heroísmo!) do namorado, Alana foi para a cozinha preparar o jantar.
            Suspirava.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

"Nombarath Vs Ishtar" parte 2 de 7


            Alana voltava para casa acompanhada de sua melhor amiga, Leonora. Sempre que estavam juntas, evitavam falar do que a maioria das mulheres de Nombarath falava: de seus amigos, pais, irmãos, namorados, maridos, companheiros... Enfim, amores que lutavam na guerra. Era difícil. Algumas pessoas simplesmente não entendiam – algumas inclusive as repreendiam - como as duas conseguiam desvirtuar a mente de tamanha aflição. Nem elas mesmas sabiam dizer, mas, de alguma forma, obtiveram o êxito. Inclusive já debateram, certa vez, sobre o fato. A conclusão que chegaram fora de que tinham uma a outra. Não que as demais mulheres que conheciam não tivessem amizades, mas nenhuma outra podia dizer que tinha tão forte amizade como as duas possuíam uma pela outra. Tinham dezesseis anos e a vida pela frente. Eram amigas desde sempre. Estavam trabalhando na fábrica, em nome de seus amores e a pátria, suprindo a falta dos homens, para que a nação não parasse e para que fosse possível o envio de suprimentos aos soldados no campo de batalha.
            Sua cidade, Namkarath era uma das mais a leste do Reino. Apenas uma outra – Razor – ficava situada próxima à fronteira, oposta a Ishtar, com Marok, um pequeno reino vizinho e neutro a toda a essa rixa.
            Era noite, As ruas estavam cheias de mulheres na mesma condição. Retornavam a seus lares depois de dez horas de jornada de trabalho. Ficavam em casa somente os idosos – maiores de sessenta anos – e as crianças menores de doze.
            Apesar de não haver lua no céu, a noite era iluminada, artificialmente, pelos postes. Gigantes de cinco metros de altura feitos de cobre e com o seu topo retorcido setenta centímetros em direção à rua. Uma lâmpada projetava uma luz alaranjada no chão, fazendo um círculo de, aproximadamente, dois metros e meio sobre os recortes regulares de paralelepípedo que calçavam a rua.
            - O Ranzo não respondeu a última carta... – Alana não conseguiu conter a angústia pelo atraso inédito da resposta do namorado combatente. Leonora entendeu que a consternação da amiga deveria ter atingido seu limite, então resolveu confortá-la.
            - Calma, Lana. O Ranzo é um bom soldado. Se juntou as forças armadas desde criança e...
            - Eu sei... – Interrompeu – É que ele nunca atrasou e...
            - Quanto tempo faz? – Agora fora a amiga quem interveio.
            - Indo para o segundo dia...
            - Ah, deve ter dado algum problema com o transporte de correspondência. Não se preocupe. Agora vamos mudar de assunto, sim? Percebeu que Nosso Querido Soberano está sempre com a mesma roupa? Sempre com aquele paletó vermelho-encarnado, camisa branca e a gravata preta com a flor de Liz, o símbolo da princesa Isabela, bordada em dourado...
            - Pois é! Penso que seja algum tipo de uniforme ou traje especial para falar na televisão... Mas fica bem, não? Aquele cabelo negro e comprido até os ombros... Olhos claros...
            - Se ele não fosse Nosso Querido Soberano... Ai, acho que eu partia pra ofensiva hahaha!
            - Hahaha! Só pode ser louca... – Alana foi capturada novamente por pensamentos taciturnos – Como será que os meninos estão se saindo?
            - Quebrando cada pescoço nojento daqueles ratos asquerosos! – Leonora falou num misto de confiança e veemência – Pode apostar! Ranzo treinando as artes de guerra desde pequeno e o meu querido Thânos auxiliando ele com sua mira precisa, formam uma dupla imbatível! Além do mais, Nosso Soberano nos atualiza constantemente sobre a guerra.
            - Sim... É... Tens razão, Leô...
            - Relaxa, Lana. E não esqueça de que estamos ganhando. Nosso Soberano disse que os meninos estão próximos a Susamar, o ninho daquele país de ratos. Aposto que o Ranzo vai te trazer a orelha de um daqueles lixos.
            - Tomara... Tomara...
            Se despediram e Alana dobrou a esquerda no cruzamento, rumando para sua casa.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

"Nombarath Vs Ishtar" parte 1 de 7


            Um aviso de “Ao vivo em cadeia nacional” apareceu, assim que a televisão foi ligada.
            - Meus preciosos cidadãos e cidadãs! Eu, seu querido soberano, Zhalmyr Aquilinoyev, terceiro de seu nome, saúdo vocês por mais um importantíssimo, e vital, dia de trabalho em nossas fábricas e lavouras. Muito obrigado! No ritmo em que estamos, mostraremos a nação rival que não nos abatemos por causa dessa guerra. Guerra sagrada, da qual sairemos vitoriosos! Nossa gloriosa nação Nombaroth se manterá sólida para todo o sempre. Esmagaremos todo e qualquer rato asqueroso de Ishtar feito baratas! – Nesse momento, um coro “YEEEEEEEEEEEAAAHHHH!” se fez ouvir proveniente de todos os cantos da fábrica. Um coro totalmente feminino. – Desejo o mesmo empenho e dedicação nos novos dias que raiarão. Voltem em segurança para seus lares. Descansem bem e que Deus abençoe a todos nós! Boa noite! – E, assim, se encerra o pronunciamento oficial das dezoito horas. A televisão se apaga e todas as trabalhadoras rumam para os vestiários.
            Nombarath e Ishtar são nações rivais que nutrem um terrível ódio mútuo. No entanto, nem sempre foi assim. Qualquer criança lê em um livro escolar de história em Nombarath que a muito tempo atrás, cerca de seiscentos anos, as duas nações estiveram a um passo de se fundirem em um só grande e, provavelmente, mais poderoso reino do mundo. Mas a adorada Princesa Isabela, de Nombarath, foi encontrada morta em seus aposentos um dia após o casamento com o príncipe Nassir, de Ishtar. Não precisava ser nenhum perito para olhar a cena e saber que ela havia sido brutalmente assassinada. A vida da bela e adorada Princesa fora ceifada com vinte e três facadas, sendo somente o último golpe a provocar o óbito. Um punhal que pertencia a Nassir estava inserido no peito, à altura do coração, de Isabela. Além de desferir o golpe fatal, o agressor ainda teve a crueldade de girar, no sentido horário, o punhal, provocando maior estrago e dor.
            Interrogados, nenhum criado disse ter ouvido nada. Tanto Nombarathianos quanto Ishtarianos.
            A Princesa era querida por todo o reino de Nombarath, e todo o povo clamava por justiça, principalmente pela repugnância e brutalidade do crime. Assim, estourou uma guerra entre ambas as nações que resultou em milhares de mortos e feridos dentro do período de cem anos. Ambos reinos eram tão poderosos que se equiparavam e, com medo de que viessem a ficar mais fragilizados (e sem soldados para lutar), foi acordado um cessar fogo, pelos então reis, Aragonis I, de Nombarath, e Hassan IV de Ishtar.
            Cerca de cem anos atrás, um golpe de estado do general Zhalmyr Aquilinoyev I, derrubou o antigo rei, Aragonis XIII. Aquilinoyev I alegava que os Aragonis traíram o povo de Nombarath, alegando que Aragonis e Hassans eram “ratos imundos, membros de uma mesma família, traidores da memória da Santíssima Pátria Amada.”, e ordenou o extermínio de toda a família Aragonis e declarou guerra contra Ishtar. Dessa forma, mandou reunir o exército e começar a ofensiva.
            Com a longa duração da nova guerra, já alcançando novamente a casa dos cem anos, o atual soberano de Nombarath ordenou que todo homem maior de dezesseis e menor de sessenta deveria se juntar ao exército, mesmo já tendo sido instaurado por seu antecessor um plano de recrutamento voluntário de crianças a partir de oito anos de idade, para serem treinados nas artes de combate, e virem a serem utilizados em combate quando atingissem os dezesseis anos. Esses planos fazem parte da operação “Memória de Isabela”.