quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

As Crônicas de Folsom - Entardecer em San Miguel pt. 2 de 2


            Johnston não via mais nada. A exaustão lhe drenou todas as forças.
            Porém ouvia.
            Ouvia os gritos de horror.
            Gritos de desespero.
            Gritos de dor.
            - AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAARRRRRRRRRRRGHHHHHHHHH!!!
            - NÃO NÃO NAÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃAAAAARRRRGGGHHH!
            Mulheres clamando misericórdia. Crianças choramingando por suas mães. Homens suplicando por suas vidas.
            E atirado no meio desse horror, o velho só tinha duas certezas: a de que sua hora chegara e que:
Não há nada que os detém quando a noite cai e nem nada que os acalme quando a lua cheia sai.


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Conto inspirado em "Matanza - Satânico parte 1 e 2"

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

As Crônicas de Folsom - Entardecer em San Miguel pt.1 de 2


            O entardecer em San Miguel sempre fora um espetáculo da natureza. Os vales entre as colinas que rodeiam essa pequena cidade, criam corredores naturais para que a brisa marítima, que adentra os continentes no crepúsculo do dia, possa refrescar mais um dia de intenso calor no interior da Califórnia. No chão, ao longe, era possível ver as sombras das nuvens, que ficavam logo abaixo da luz escarlate do astro supremo refletida na nossa atmosfera. E a lua no céu, para os admiradores, nesses momentos, joga em nossas caras o quão pequeno somos e como é vasto o universo. Nos faz imaginar como seriam os lugares os quais nunca fomos, mas que imagens produzidas ali perto, a menos de cem quilômetros, em Hollywood, nos davam uma pista, de como, provavelmente, esses lugares NUNCA seriam.
            Todos retornavam de seus afazeres. Sejam eles realizados nas fábricas, nas lavouras ou no comércio. As de “moças de vida fácil” se dirigiam para os cabarés, recepcionar os caminhoneiros e viajantes das vias férreas. Eram as únicas que realmente trabalhavam a noite, pelo fato de San Miguel ser uma cidade totalmente pacata.
            Porém, somente um velho lembrava-se de como tudo aconteceu. Johnston era o seu nome. Aquele entardecer era diferente dos outros, mas igual àquele de sessenta anos atrás. Mr. Johnston havia sentido um calafrio ao acordar, e tinha atribuído-o a, talvez, um princípio de gripe, mas não dera bola. Foi um erro. Ele sabia. Flashes espocavam em sua memória. O terror de sua infância. As horas preso naquela saleta escura, que só tinha uma entrada e uma mesma saída: uma porta folheada com prata. Ele gritava pelas ruas. Gritava desesperadamente:
            - CORRAM PARA A SALA COM A PORTA DE PRATA!
            E repetia cada vez mais alto.
            - CORRAM PARA A SALA COM A PORTA DE PRATA!
            As pessoas olhavam-no de forma estranha. Um jovem casal ria da cena, de um velho caquético correndo pelas ruas, dando a impressão de que a bengala que sempre viram-no usando para auxiliar a sua caminhada era apenas um ornamento, ou uma questão de estilo de um velho gagá.
            Uma porta de madeira folheada de prata não era algo muito comum, de fato, mas era a casa de um antigo rico excêntrico, cujo o filho era muito seu amigo. Brincavam de esconde-esconde na casa, quando o primeiro apareceu. O então garoto Johnston só escutava os gritos provenientes, num primeiro momento, da rua. Imaginava se tratar de algum tipo de festa dos adultos, porém, eles foram se aproximando. Cada vez mais alto! Até que os gritos começaram a ecoar dentro de casa, e em seguida ele os escutava na sala ao lado, e no corredor para o qual dava a bendita porta de madeira folheada de prata. Essa, por sua vez, foi forçada uma, duas, três vezes, mas, sem nada conseguirem, o que quer que fosse, virou as costas e foi embora.
            A sanidade de Mr. Johnston foi preservada, uma vez que ele não viu de fato acontecer o que tinha se passado: corpos mutilados no chão, em cima das mesas, nas sarjetas, nem mesmo na “casa onde ele era estritamente proibido de passar perto, porque as pessoas faziam coisas indecentes”, ordem essa que ele desobedeceu, encontrou alguém. Talvez por ter apenas dez anos e estar, sem duvida alguma, totalmente apavorado, não procurou direito – e nem há como culpá-lo. Contudo, outras três pessoas, dois adultos e uma adolescente, sobreviveram o massacre junto com ele. Os adultos decidiram cuidar dele, já a jovem não teve dúvidas. Passados sete dias, e com os moradores da cidade que estavam viajando, seja a trabalho ou de férias, não acreditando nos relatos das três testemunhas, sumiu da cidade e nunca mais foi vista. Os dois adultos tomaram conta do pequeno Johnston. Quinze anos depois, ambos haviam morrido de doença e o agora jovem Johnston já era um homem feito, com uma vaga lembrança daquele dia que, com o tempo, foram se tornando cada vez mais vagas.
            Até hoje.
            - CORRAM PARA A SALA COM A PORTA DE PRATA!
            Ele tornava a gritar, mas nem sua família lhe dava ouvidos.
Então caiu exausto e nada mais viu.