terça-feira, 26 de junho de 2012

Perdido

A janela me mostra as grades
O vasto contido
E o que contém

Sentado nesta cadeira
Que range a cada movimento
A fraca luz do final de uma tarde
Véspera de outono
Vendo os galhos se mexerem
A cortina balançar
E as folhas secarem e caírem

O rádio ligado
Tentando gritar mais alto que o cortador de grama do vizinho
Sem interferir na dor de cabeça
De um dia na clausura

As nuvens se acumulam no céu
Trazendo a noite precoce
E rostos que me traduzem
Exatamente o que Ele pensa de mim

Retribuo a gentileza
Mas o que me resta é uma tela
E apenas uma dúvida

segunda-feira, 11 de junho de 2012

A nossa propaganda

Abençoai Deus estas terras por ti criadas
A exuberância do verde
O símbolo da vida
A água que corre nas veias da terra

O martelo bate com força
De mil bombas de Nagasaki
Drenando o solo com suor humano
E gotas de óleo

Minhas mãos sem calos prestam uma homenagem
Para a força do vento e o som da mata
Ao azul do mar e o brilho da água

A venda do que é nosso
Com sangue conquistado
Terror espalhado
Um pedaço cercado
Do sempre foi
E nunca mais será

Sem remorso
Sem desgosto

A pura propaganda

Vendida na bandeira
Ensinada no primário

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Em lugar nenhum


Profundo, raso e distante
Como o oceano em sua cabeça
Um turbilhão de pulsos elétricos
Como um enxame de vespas sanguinárias, ávidas e efêmeras

Contas a pagar, prazos a vencer
E consequências de atos libertinos
que prefere não pensar

Vazio profundo raso distante
Estava escrito na retina
marcado por de dentro para fora
Quebrados por uma voz
que perguntava por onde andava

Quando deu por si
Um riff de guitarra
Slash
Cortava sua mente e ecoava dentro de sua cabeça
Ganhava força e dizimava as vespas e as contas a pagar e os prazos
A explosão dos vocais do refrão de "Let it Roll"
do V.R.
Sacudia a cervical, que embalava a cabeça
para frente e para trás

"Em lugar nenhum" ele responde
E termina de jantar

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Calmo como uma bomba


            Daniel estava sentado em seu escritório de contabilidade trabalhando da mesma forma que sempre fez a mais de 15 anos. Tinha algumas fotos em sua mesa. Olhou-as. Estava entediado. Na verdade, Daniel estava no seu limite. Não agüentava mais aquele escritório. Na verdade não agüentava mais nada. As fotos... Viu a foto do seu casamento com Raquel. Como eram felizes naquela época. Se soubesse que dois anos depois ela viraria uma mulher totalmente diferente... Não teria casado. Nunca! Como ela era feliz. Sempre sorrindo. E o corpo? Parecia uma modelo. Magra. Com pouco peito e bunda, porém era dona de uma beleza estonteante. Agora? Sempre de cara emburrada, sendo grosseira, estúpida. “Ô, seu olho do cu! Não vai trabalhar não? [murmúrios]”. Que forma deliciosa de acordar, não? Quando eram jovens? Cansou de ser acordado com um beijo que, muitas vezes, se tornava algo mais... caliente. Estava cansado disso. Sabia que o divórcio chegaria em breve, mas ainda amava-a. Ou acostumara-se? Não sabia. Olhou as fotos mais recentes. Elas comprovavam o que ele refletia. Sua mulher com 20 quilos a mais, sempre com cara de poucos amigos. O que mudara? Não sabia. Olhava-se nas fotos. Ele também mudara. Estava infeliz. Era isso. Totalmente infeliz e, o pior, conformado. Daniel estava infeliz com o trabalho e isso acabava refletindo em seu dia a dia. Tentava conversar com Raquel e ela sempre mandava uma indelicadeza e dizia que ele que devia vagabundear menos e trabalhar mais, pra manter a cabeça ocupada.
            De repente, “BLAM!”.
            Daniel se assustou. Deu um pulo na cadeira. Era Marlom, seu chefe. Com aquele sorrisinho cínico e sarcástico. Jogou um bolo de pastas em sua mesa. “Senhor Daniel, vou precisar que o senhor faça isso no feriado, entendeu?”. Canalha! Uma semana antes tinha avisado que iria pegar um dia a mais de folga para o carnaval, porque o infeliz já lhe devia inúmeras! Cretino.
            Daniel começou a sentir um bolo no peito. Aquilo vinha subindo do estômago e indo direto para a boca, passando pela garganta. Daniel sentiu que não conseguiria segurar. Em frações de segundos ele pensou “Não agüento mais. É hoje, é hoje!”
            E foi.
            Daniel olhou bem nos olhos de Marlom. Respirou fundo. Abriu a boca e disse “VÁ SE FODER, CARALHO!” e ainda mostrou o dedo médio. Nem preciso mencionar que foi demitido. Ali, no ato. Alguns colegas o chamaram de burro, outros o aplaudiam (com os olhos). Enfim. Voltou para casa um outro homem. Um novo Daniel. Iria adotar a filosofia do “Vá se foder, caralho!”.          
            Chegou em casa, obviamente mais cedo, e deu de cara com sua esposa. Ela, surpresa. Perguntou o que ele fazia ali.
            - Falei a melhor frase da minha vida para o meu chefe e fui demitido. – Falou com um sorriso no rosto.
            - Como que tu faz uma merda dessas seu irresponsável! – Dizia, a gorda. E continuou. – Tu não tens idéia da merda do que tu fez não é?! E tira essa porra de sorrisinho besta da tua cara! Agora é Greve! Está ouvindo!? Greve até tu tomares jeito nessa merda de vida! Vou ter que pedir um aumento pra minha patroa e vou ter que procurar um novo emprego pra...
            - VÁ-SE-FO-DER, caralho. – Daniel falou pausadamente, com ênfase em todas as vogais e de forma totalmente calma e tranqüila. Raquel ficou embasbacada com o que ouviu. Sem reação nenhuma. Daniel virou as costas e bateu a porta do seu apartamento ao sair. Raquel Nunca mais viu Daniel em pessoa.
Uma semana depois, passado o carnaval, Daniel criou, inclusive, um perfil em uma rede social. Encontrou o perfil de Raquel e mandou um link com fotos suas no carnaval de Salvador.
Um ano depois, Daniel abriu uma loja de pesca em Ilhéus. Suas fotos no perfil mudaram bastante. Daniel sorria. Inclusive voltaram a nascer cabelos em sua cabeça e casara-se novamente, com uma linda moreninha de 24 anos que conhecera no carnaval.