quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"O 'Cara'" - Capítulo 3

            Batidas na porta.
            - Cara, abre aí. Tá na hora. – Uma voz de homem bastante grave. Ótimo jeito de acordar.
            - Vai vê se eu to na esquina!
            - Cara, abre a porta, sou eu, Lúcia. – Agora melhorou a situação.
            - Só um minuto. Eu gosto de dormir sem calças.
            Dois minutos depois, eu abri a porta.
            - Dona Lúcia! O que a trás aos meus humildes aposentos?
            - Você se mostrou bastante instável na terça passada. Então mandaram eu vir aqui hoje, pra conversarmos em separado. Eu tentei explicar que você apresentou melhora significativa, mas...
            - Mas eu estraguei tudo e me descontrolei certo?
            - Não lembras? – me perguntou com cara de estranheza.
            - Nada, lembro duma pancada que deve ter feito esse galo aqui na minha cabeça, mas o resto...
            - Bom, tu quebrasse o nariz do Alberto e quebrasse o pulso do Júlio...
            - Quem são esses?
            - São os dois primeiros seguranças que eu chamei ontem.
            - Hehehe, eu disse que era bom chamar reforço...
            - Pois é. Por isso eu trouxe hoje o Maicon. – Apontou para o maior armário humano negro que eu já vi na vida – Foi ele que...
            - Oh, e aí, Maicon, tudo bom? – Estava estranhamente calmo, estranho... Oh, claro. – E me drogaram, por precaução, certo?
            - Foi necessário, desculpe.
            - Não precisa se desculpar. Não tenho como ficar bravo no momento. Nem se eu quiser. – Pior é que eu estou tentando mesmo.
            - Podemos prosseguir?
            - Sem problemas. – Deus, eu sorri.
            - Eu já disse que aquilo lá tinha uma maldição? Uma magia negra fortíssima?
            - Eu me lembro de você comentar. – Falou bem séria.
            - Não acreditas né?
            - Apenas continue, sim?
            - ... Sim, senhora...
            - Nesse dia eu descobri o que aconteceu. O porquê do professor José estar vivo.
            Bom, aquele bilhete que o duende macabro enviado-do-satanás escreveu, me fez zelar pela minha vida. Eu comecei a levar alguma coisa dentro da mochila para me proteger. Uma boa e velha barra de ferro.
            - Uma o que? – Ela me olhou surpresa.
            - Barra de ferro de 40 centímetros de comprimento e duas polegadas de espessura, pesando cerca de um quilo. Preta e reluzente. Foi uma grande amiga...
            - Não poderia ser mais específico... – ela comentou.
            - Obrigado. Mas voltando... Eu comecei a levar a minha amiga junto, porque aquele bilhete com certeza era uma ameaça. Eu andava muito ligado, pelo menos era o que eu achava. Na verdade eu estava muito amedrontado. Se a minha sombra se mexesse, minha adrenalina já subia a níveis astronômicos.
            Mas as coisas andavam muito quietas. Passaram-se duas semanas desde o bilhete e não notei nada de estranho, eu já estava meio acomodado, na verdade. Um dia antes desse que vou narrar agora, eu tinha até esquecido a barra de baixo da minha cama. Quando eu percebi que havia esquecido ela que eu voltei a ter noção do perigo. Eu tive muita sorte. Muita sorte mesmo.
            Fazia um mês do sumiço do Thiago. E eu inclusive fui a casa dele várias vezes e ninguém atendeu. Quando uma pessoa atendeu - que foi nesse dia que começo a narrar agora - disse que tinha comprado a casa a menos de duas semanas e não sabia quem era o tal Thiago. Bizarro.
            Eu tinha uma aula com a personificação do demônio nessa tarde, então, fui em direção ao colégio F. Chegando lá, eu vi um colega de aula chegando ao mesmo tempo. Era o Lúcio. Pra mim, era só uma pessoa que não cheirava e nem fedia.
            - Opa, indo pra aula do Humberto? – Perguntei educadamente pro guri.
            - Não, não... Com esse eu já to fodido – risadas. Eu vou no atendimento do José.
            Gelei na hora. Tá certo que pra mim ele não cheirava nem fedia, mas o cara estava indo para a morte certa, eu não podia – naquela época – ver uma pessoa caminhando para o seu funeral e ficar com a consciência tranqüila.
            - Eu to pensando em dar uma passadinha lá no José mais tarde. De repente a gente se encontra por lá. – inventei na hora.
            - Ah, pode crê! Se falamo então. – disse ele ao me dar um tapinha no ombro e sair andando.
            Fui atrás dele escondido. Teve uma hora que ele quase me viu, mas consegui me esconder me jogando atrás do prédio do bar que ficava no pátio e esfolei o joelho. Nada de mais, exceto a ardência, mas, dane-se.
            Segui-o, como segui o Thiago, até ele entrar na sala do José enquanto eu me escondia nas escadas. 10 minutos. 20 minutos. Meia hora. Tédio. Escutei passos vindos do primeiro andar em direção a escada onde eu estava. Não havia onde eu me esconder, então, resolvi agir naturalmente, como se estivesse chegando agora no segundo andar.
 Era a professora Rafaela. É uma mulher de boa aparência, para os seus quase 50 anos. Mas o que tem de boa aparência tem de arrogância e amargura. Cabelos louros, provavelmente pintados, pois a sobrancelha destoa levemente dos cabelos – são mais claras - e tem poucas rugas no rosto. Bem vestida, com uma bonita calça jeans tradicional e uma blusa abotoada na frente cor verde escuro e alguns acessórios, como relógio dourado, brincos e colar de pérolas, além de estar carregando consigo alguns livros do Machado de Assis e outros autores clássicos do Brasil.
- Boa tarde, professora. – Virei de costas fingindo só saber que era ela quem se aproximava naquele momento, com um olhar curioso.
- Boa tarde. – Daquela forma agradável que já descrevi algumas vezes.
Para disfarçar, fui indo em direção a sala do José e esperei ela entrar na dela. Assim que ela o fez, botei o ouvido na porta da sala. Conversavam sobre química ainda. Esperei mais um pouco.
Aquela merda tava demorando, então, me sentei ali, no chão mesmo.
Não sei quanto tempo depois, escuto movimento na sala, então, aquele grito de novo e nem um segundo depois, o urro de desespero da pobre vítima. Peguei a barra da minha mochila, levantei, meti o pé na porta, abrindo-a violentamente. Mas era tarde e as cinzas do Lúcio já estavam no chão.
Olhei pra cara dele com toda a ira que pude juntar naquele momento e, ele olhou de volta com uma cara de surpresa e, quando bateu o olho no que eu tinha na mão, a expressão mudou de surpresa para medo. MEDO. Foi uma sensação maravilhosa. Assim como a sensação de ouvir o som característico da barra cortando o vento e em seguida estraçalhando o maxilar do desgraçado. Com a força do golpe ele girou duas vezes, da direita para a esquerda, caindo em direção a mesa dele que estava uns quatro passos atrás dele. Na queda, ele bateu com a cara na mesa e caiu no chão atordoado.
- Que horror... – Lúcia falou com um certo nojo na voz.
- Horror é o que eles faziam conosco. Agora me deixe continuar. Estamos no clímax.
Eu olhei nos olhos dele por um tempo que pareceu uma eternidade e, sinceramente, o que eu não senti foi pena nem remorso, então, resolvi terminar o sofrimento dele. Golpeei com toda a força que pude duas vezes a cabeça dele, transformando-a num guisado. Ofegante e tremendo por causa da adrenalina, ainda dei um chute nas costelas e saí. Fui em direção às escadas e quando eu estava chegando no primeiro andar, escutei alguém correndo no andar de cima, mas o som dos passos ia diminuindo, ou seja, ia em direção a sala do José.
Resolvi voltar para ver o quem era. Pensei que só podia ser a Rafaela e... Acertei em cheio. A vi entrando na sala do José. Espreitei em direção a sala do maldito assassino, então, escutei um som baixo vindo da sala. Algo como uma reza, mais precisamente. Em seguida, a voz foi aumentando de volume até que uma gargalhada histérica, igual àquela que as bruxas fazem em desenhos para crianças, seguida de um brilho negro e um estrondo, como o de um trovão, mas seco, sem aquele prolongamento. Voltei em direção a escada e desci alguns degraus, o suficiente para continuar enxergando o corredor e, pasme, saíram da sala a Rafaela e o José. O ultimo, totalmente inteiro, como se nada tivesse acontecido.

Dedicado ao Co-autor e grande amigo Thiago Ávila Pouzada

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"O 'Cara'" - Capítulo 2

            - Opa! Como vai Dona Lúcia? Tudo Bem? – Perguntei ao chegar atrasado, para a reunião do pessoal. Lá estavam os mesmos de sempre, o cara que parecia o Che Guevara, só que com formigueiro no rabo e a veia com seios brochantemente grandes e caídos.
            - Tudo bem, Cara, e tu? Mais calmo? – perguntou ela com um sorriso simpático... Como é gata!
            - Melhorando, digamos.
            - Ok... Alguém quer começar primeiro? Ou eu preciso chamar alguém? – perguntou Lúcia.
            - Eu! Eu! Eu! – Levantei a mão, falsificando toda uma empolgação, porque sei que ela não quer que eu vá primeiro. Não depois da ultima vez.
            - Alguém mais além do Cara aqui?
            Nada.
            - Qualquer um? – Insistiu.
            Nada. Digamos que eu fiz um... Acordo... Bem educado e gentil com eles e eles me deixariam começar primeiro.
            - Certo – Disse ela com um desanimo camuflado por simpatia – comece.
            Antes de começar dei uma olhada nas caras daqueles abobados e vi que quando nossas visões se cruzavam, eles desviavam o olhar. Ótimo.
            - Muito bem, vou começar de onde eu parei semana passada. Onde eu estava? Ah, sim...
            - Oi, Cara, tudo bom? – Perguntou o professor José. Meu sangue gelou, fiquei sem voz e as pernas tremiam. Como? Como diabos? Eu estraçalhei a cabeça dele a cadeiradas!! Era pra ter sido decretado luto e minha cara estar em todos os jornais nesse exato momento! E o pior! Não era pra ele estar falando comigo! No mínimo ele tinha que fugir de forma histérica, não cumprimentar sendo simpático e educado. Meu Deus! Será que eu sonhei com aquilo?
            - O-oi, p-professor. Tu-tudo bom? – Gaguejei.
            - Tudo bem, com um pouco de dor de cabeça, mas passa.
            AI CARALHO!!!
            - Não tinhas que estar em aula agora não? São quase nove. – Ele disse olhando o relógio.
            - É... Tive um imprevisto em casa e me atrasei... Vou indo nessa! Tchau! – Não ouvi se ele me deu tchau, nem quis saber, simplesmente corri pra dentro da sala.
            Cheguei na porta da sala e bati. Pedi licença para a professora Cláudia, de biologia e entrei. No fundo da sala, como de costume, a turma de filha da puta que eu tanto amo. São seis desgraçados que – no momento – são inofensivos.
            A aula terminou e a próxima professora entrou. A Rafaela, de literatura. Oh Shit! Ela me viu todo ensangüentado! É agora.
            - Bom dia – Disse ela com seu jeito adoravelmente arrogante. Uma maravilha de pessoa.
            Ela deu a maldita aula dela sobre o romantismo e foi embora. Porém, ela vez ou outra me olhava, mas eu sentia que tinha algo de estranho naquele olhar. Tem alguma coisa muito estranha acontecendo aqui e sinto que preciso ficar alerta.
            Coincidência ou não, o Thiago não foi à aula naquele dia e o estranho é que as pessoas não pareciam sequer sentir a falta dele.
            Depois do intervalo – o recreio – teve a aula dele... Daquele... DAQUELE!
            - Cara... por favor...
            - CALA A BOCA VADIA! TU ACHAS QUE É FÁCIL? – interrompi a Lúcia.
            - Por favor, se acalma!
            - EU ESTOU TENTANDO!
            - Respira fundo, não me faça chamar a segurança, por favor!
            - Desculpe-me, é que é muito difícil pra mim lembrar...
            - Ok, ok! Vamos parar por aqui?
            - Não, por favor, eu preciso, vai ser de grande ajuda.
            - Certo, mas eu vou chamar os seguranças por precaução, ok?
            - Se eles conseguirem me deter, vá em frente. – Começou a se ouvir alguns choros e rezas na sala.
            30 segundos depois estavam lá os seguranças.
            - Como demoram... Eu poderia acabar com a raça de muita gente aqui nesse tempo.
            - A senhora precisa que o tiremos daqui agora? – Disse um armário falante vestido de preto para a Dona Lúcia, enquanto o outro se aproximava de mim.
            - É só por precaução, ele ainda é instável.
            - Ok. – Respondeu o armário.
            - Humberto.
            - Como, Cara? – perguntou Lúcia.
            - O nome do filho duma égua é Humberto, professor de física.
            - Parabéns, conseguisse te controlar. – Disse ela abrindo um sorriso lindo e sincero.
            - Eu disse que estou melhorando.
            - Consegue continuar?
            - Acho que sim, mas chamem reforços por precaução. – Falei olhando para o armário de preto que estava perto de mim.
            - Como preferir. – E não é que ela chamou mesmo?
            - Bueeeno! Vamos começar mais uma aulinha barbadinha de física, meus queridos alunos? – disse aquele duende macabro. Menos de um metro e sessenta de altura, porém a maldade residente naquele coração é imensurável, é o diabo em pessoa... – Ah, sim, estou com as provas corrigidas, e adivinhem só? A maioria já pode se considerar com o pé na cova. Vou chamá-los um por um e venham pegar sua prova. Dona Gabriela!
            - Oi. – respondeu a loira baxinha peituda e gostosa.
            - Vem pegar a tua prova.
            Ela foi até lá e quando ela tocou na prova...
            - ZERO! Conseguisse fazer a pior prova das quatro turmas de terceiro ano! HAHAHAHAHAHA
            E a pobre alma retorna chorando.
            - Manoel! – bradou ele – queres a prova ou posso só dizer a nota?
            - Quero a prova.
            - Ta, vem pegar, mas tirasse zero.
            - Lúcio! – nenhuma resposta – Lúcio? – nada. – Nem preciso dizer que esse já está morto. hahahahaha
            Não sabia como me sentir, afinal, tinha gente que realmente era pra estar morto e não estava, mas o maldito me olhou com a mesma cara da Rafaela... Meu Deus o que está acontecendo aqui?!
            - Cara?
            - Espera aí, ele te chamou de cara? – perguntou a Lúcia.
            - Não, é que eu não quero que esses otários saibam o meu nome.
            - Ah, como quiser, continua.
            - Presente, professor.
            - Não é a chamada animal, é a prova, e tu tiraste zero também! Menos um por causa dessa idiotice de “presente professor”.
            - Preciso contar aos amigos que foi aí que todo o inferno que até então parecia irreal, começou a tomar forma. Esse foi o dia que minha vida mudou pra sempre.
            Eu não tinha muitos amigos ali, mas tinham três pessoas que eu gostava bastante também, eram o Thiago, o Roberto e o Leonardo. Roberto e Thiago não foram naquele dia, e tiveram suas provas devidamente ridicularizadas também. Não entendendo como eu teria tirado zero já que eu tinha estudado muito praquela prova, fui falar com o Leonardo. Comparamos as provas e nossas respostas eram bem parecidas e as notas eram as mesmas. Zero. Leonardo se dava com um cara, o Diego. Eu não curtia muito o magrão porque ele era amigo dos 6 filhos da puta, mas... Era só uma antipatia por ser amigo de inimigos meus, não faria nenhum mal a ele, mas também nenhum bem. Então, Leonardo mostrou a prova para o Diego esse, que tirou 5 de 5, e... NOSSAS RESPOSTAS BATIAM. Cara, aquilo começou a fazer uma raiva gigantesca crescer.
            Infelizmente nós descobrimos isso tarde de mais, e o prazo de dois dias para se reclamar de correções já havia expirado. E o Thiago não aparecia e ninguém atendia na casa dele nem celular.
            No terceiro dia depois da entrega das provas, tivemos aula de novo com o filho do capeta. Ele chegou em aula pedindo para destacarmos uma folha do caderno, ditou um exercício e queria ver antes da segunda aula que ele ia corrigir e devolver no dia. Disse que ia nos dar um presente pro final de semana.
            Pois bem, fiz e entreguei. Dez minutos depois ele me chamou e me entregou. 0,3 de 1.
            - Melhor que zero... – falei e ele só riu com aquele sorriso... Maldito sorriso...
- Tudo bem, cara? – Lúcia perguntou e um armário já segurava o meu braço.
            - Tudo, tudo. – Ela fez um sinal e o armário soltou meu braço.
            Me sentei e fiquei olhando o exercício. Virei a página. Uma mensagem.
            “A tua imaginação não está brincando contigo.”
            Arregalei os olhos e olhei pro demônio. E ele simplesmente... simplesmente... SORRIU!
            Não lembro do que aconteceu depois, acordei no meu aposento com um galo na cabeça e o punho calejado.

Dedicado ao grande amigo e Co-autor Thiago Ávila Pouzada

O drama de um viciado

            Quatro poderosos guerreiros exploravam a Cripta das Almas Sussurrantes, atrás da temível besta, o demônio “Lorde das Trevas”.
            Eram eles Ratzel, o Paladino de Abulthor, Ravnos, o arquimago do fogo, Júlia Gallagher, a Ranger elfa e Seph, o Orc clérigo de Lok-Tahr Rabuht.
            - Droga, nossas trochas estão se extinguindo... Ravnos, você pode dar um jeito? – perguntou Ratzel.
            - É, claro, caro amigo. – Ele, então, entoa um rápido cântico em uma língua desconhecida e “zaz!” um pequeno pássaro de fogo surge e ilumina a escuridão que havia intensificado.
             - Agora eu consigo enxergar mais longe com a minha visão aguçada, Ravnos, muito obrigada. – Disse Júlia.
            - Não há de que, madame.
            - Preciso mijar. – Disse Seph.
            - De novo? – Todos ao mesmo tempo.
            - É rapidinho.
            - VOCÊ PODE AO MENOS VIRAR PARA A PAREDE, SEU ESTÚPIDO? – Júlia esbravejou.
            - Foi mal. – E se virou.
            - Orcs... – Disse Ravnos.
            - Quietos! – Clamou Ratzel.
            Todos se calaram. Só se escutavam os sons de pingos d’água caindo de algumas estalactites e caindo ao chão e o resto da urina de Seph estalando na parede rochosa enquanto o orc mijava. Cinco eternos segundos se passaram quando, bem na frente dos quatro valentes, surge o demônio, o maldito monstro, Lorde das Trevas!
            Em um movimento sincronizado devido aos inúmeros invernos trabalhando junto, o grupo reage. Por reflexo, Ratzel golpeia com sua espada sagrada “Mandaluh” o demônio, enquanto Júlia e Ravnos, com um salto para trás, tomam distância e Seph interrompe sua mijada, pega o seu machado de ossos e corre em direção a criatura.
            O desgraçado, de corpo negro como a noite mais escura, garras do tamanho de sabres, cabeça na forma de um crânio de bode, com chifres de bisão, olhos escarlates fantasmagóricos, reunidos em mais de dois metros e meio de altura, revida com um potente e rápido movimento com suas garras direitas sobre o paladino e, antes do Orc conseguir chegar perto, um chute o arremessou a quatro metros de distância, onde Júlia e Ravnos se encontravam. Júlia balbucia algo em sua língua materna, fazendo a ponta de sua flecha ganhar um brilho mágico e dispara, acertando a criatura, que recua dois passos soltando um urro de dor, enquanto Ravnos começa a entoar algumas palavras em língua desconhecida.
            - Preciso de cobertura! – Bradou o arquimago, interrompendo seu feitiço e retornando a conjurá-lo.
            Seph invoca uma fúria interior e dispara em direção a besta brandindo seu machado, enquanto Júlia dispara, numa velocidade assombrosa, três flechas certeiras e Ratzel se levanta, mostrando um ferimento no braço direito. Seph se aproxima do monstro e, mesmo sendo golpeado duas vezes por fortes socos e cabeçada, desfere uma machadada potente no peito do bicho. Seph cai com os ferimentos, a besta maligna, não. Ratzel corre em direção ao companheiro caído e, esquivando-se de uma nova garrada que poderia decepar sua cabeça e defendendo-se com seu escudo outro golpe, chega até o amigo com sucesso. Toca-o e, com uma palavra sagrada, o amigo retorna a consciência.
            Júlia novamente faz a ponta da flecha brilhar e dispara, porém, o demônio acende uma chama negra em seus olhos e faz a flecha retornar em sua direção. Grito. Dor. Júlia cai.
            - PRECISO DE MAIS TEMPO! – Grita Ravnos
            Ratzel e Seph se olham e se entendem. Fazem seu ataque combinado. O paladino abençoa o machado do Orc ao tocá-lo e se sacrifica, servindo de isca para o demônio. Esse cai na armadilha e ataca sem nenhuma piedade, arremessando-o brutal e fatalmente, o guerreiro sagrado contra a parede.
            Seph, utilizando-se de toda sua bravura e força, desfere uma machadada, decepando o braço direito da criatura, que, com um urro de dor assombroso, ateia um fogo negro mágico no Orc que entra em desespero. Mais gritos e mais dor.
            - MOOOOOOOORRRRAAAAAAAAAAAAAAA DEMÔNIOOOOOOOOOOO!!! – Grita o poderoso arquimago.
            Então...
            “BIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIP! BIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIP!”
            O computador trava.
           

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Especial Farroupilha 2

            - HAHAHAHAHA Mais uma do Norberto pra vocês, tchê!
            - Essa vai ser rápida, eu prometo.
           
            “Numa das idas ao sítio do tio Onório, antes de ele dar o troco do trote, Marileuza e Norberto tiveram uma pequena discussão. Marileuza insistia que ele estava olhando muuuito na direção que a prima idiota dela, a Julieta, estava. Norberto estava muito bravo com a situação, iam passar o final de semana ali no sítio e brigou com a Marileuza sem ter feito nada. Logo hoje que ele tinha uma noite toda dedicada pra ela.”.
            “Vendo a situação, Mailso, o capataz, disse pra ele ‘quando essas coisas acontecem, eu vou no chiqueiro e me festeleio com a Deisi, ta me entendendo?’ e fez uma cara de safado.”.
            “Não se sabe o que aconteceu naquela noite, só se suspeita. Mas a sabedoria é que porca se apaixona e a Deise não saía de perto do Norberto.”.

Especial Farroupilha 1

            - Pois é, tchê, como nós tava proseando, esses dias eu fui láááá no sítio do tio Onório, no Alegrete, e me contaram esse causo que vou te apresentar.
            “Não é que me aparece pra posa durante a semana farroupilha uma prima minha, Marileuza, e o namorado dela, o Norberto”.
            “Marileuza é daquelas meio destrambelhada das idéia, boa gente, mas simplesmente, destrambelhada. Não podemos dizer que se criou no campo, mas ia de vez em quando pro sítio em algum feriado - como o 20 de setembro – se empanturrar com uma janela e, quando apertada de mais, se aliviar na macega”.
            “Já o Norberto... Nunca tinha ido num sítio. Já fora acampar vez ou outra, mas num sítio propriamente falando, nunca. Parecia um piá indo num parque de diversão. E a pilcha? Botou a roupa mais bonita que tinha no armário, calçou uns calçado branco novo. Ficava retrateando com aquele tal de ‘molecular’ – é molecular? Aquele apetrecho que dá de usa como telefone – tudo que se movia e não se movia, como a gauchada reunida, as prenda, os cavalo, as vaca, a Deisi – a porca do tio Onório. Mas, os cabrito ele não conseguia. Só de longe. Então, tio Onório disse pra ele ‘Oh, guri! Que tu ta fazendo? Pra tu chegar perto das ovelha e dos cabrito, tu tens que ir andando agachado, bem devagarinho e por trás delas, se não, elas fogem.’. Norberto, muito inocente, tentou. Uma vez. Duas. Três... Na décima ele desistiu, e como tava longe da gauchada, não tinha escutado ainda as gargalhadas da gurizada. Marileuza ficou braba com a pegadinha que o tio Onório tinha feito com o namorado, mas não podia dizer que vê-lo quase caindo de bunda no chão – sujando a calça nova – umas 9841 vezes – fora ter acreditado na história absurda – não tenha sido engraçado.”.
            “Noutro dia, depois de achar que estava ficando mais esperto e tentando pregar peças no tio Onório, como pedir desenroscar a boca do paliteiro, colocá-lo de cabeça para baixo próximo do tio e, finalmente, pedir ‘Me passa o palito, Seu Onófre’ – errando o nome de propósito – e ter funcionado, tio Onório perguntou pro Norberto se ele não estava a fim de caçar Gambuzinho. Norberto pensou ‘Será que ele não quer dizer gambAzinho?’, mas, pensou que poderia ser uma indelicadeza perguntar ao homem aquilo. Tudo bem que o homem era o tio Onório, mais grosso que dedo destroncado, porém, não conhecia o sujeito ainda, então, concluiu que só poderia se tratar de gambá e, não querendo fazer uma desfeita e até mesmo, quem sabe, poder aprender a atirar ou armar uma armadilha de caça, seria uma grande história para contar para os seus amigos. Topou.”.
            “Saíram, então, as quatro da tarde, tio Onório com a espingarda, Norberto com um saco de pano com cerca de um metro de tamanho e o capataz, Mailso, com uma taquara e uma mochila, bastante surrada já, rumo ao mato. Mailso ia à frente, ficando a taquara. Tinha chovido uns dois dias antes, e não seria legal pisar em falso no meio da macega e torcer o tornozelo, né? Bueno, depois de andarem por uma meia hora, Norberto perguntou o que Mailso trazia na mochila. ‘Isca de gambuzinho’, respondeu o capataz. Norberto pensou e tentou imaginar, mas deixou pra lá. Cinco minutos depois, tio Onório disse ‘Tá vendo aquele buraco ali, guri?’ e apontou para um barranco mais adiante ‘Aquilo é toca de gambuzinho. Vamo fazê o seguinte, pra tu aprender, como faz. Te acoca ali na boca e, quando eu disser já, tu começa a berrar, bate no chão, assim, tu vai assusta o bicho e a gente pega ele com esse saco aí.’. Frustrado por prever que não ia aprender a atirar com uma espingarda e nem armar uma armadilha mirabolante, concordou, afinal, já estava ali, não tinha mais nada a perder. Entonces, assim se sucedeu. Tio Onório e Mailso contornaram o barranco, tio Onório gritou ‘já!’ e Norberto começou o show. Não deu trita segundos e ele escutou vivas do outro lado e um ‘pegamos um bem grandinho!’ e vieram em direção ao Norberto. Abriram o saco e lá estava um bichinho, bem parecido com um gambá, desacordado com um taquaráço na guampa. Norberto ficou orgulhoso de si mesmo e Mailso e tio Onório parabenizaram ele pelo bom trabalho e perguntaram se ele queria caçar mais. Ele disse que sim, e saíram a caminhar atrás de uma nova toca de gambuzinho.”.
            “Caminharam por mais uns dez minutos e acharam uma nova toca. Mesmo plano. Mailso e tio Onório foram para trás do novo barranco da nova toca e Norberto ficou ali no outro lado. ‘Já!’ e Norberto deu novo show. ‘Não deu certo, tenta de novo!’ gritou tio Onório. E Norberto de novo, fez um show mais espetacular. ‘Nada... tenta de novo, agora fica mais tempo gritando e mais alto!’. Norberto, então, respirou fundo, juntou todo o ar que seus pulmões podiam guardar, e soltou em um longo grito gutural seguido de muitas e muitas esperneadas e batidas com os pés e mão no chão. E não foi só uma vez, foram umas quatro vezes. Gritos que duravam cerca de 20 segundos cada. Até que sentiu que faltou guela, e perguntou, confiante, se agora tinha dado certo. Sem resposta. Supôs que tinha falado baixo e perguntou mais alto. Sem resposta. Foi atrás do barranco. Ninguém. Sacanearam ele de novo. Pensou em voltar, mas... Pra que lado? Escolheu um e saiu a caminhar.”.

            - O que? Como ele se saiu dessa? Tio Onório, Mailso, e a Marileuza com sangue nos olhos de tanta raiva do tio pela judiaria com o namorado, encontraram ele por volta das oito da noite no meio do mato.
            - Judiaria? Deixa eu contar essa então, um ano depois.

            “No outro ano, Norberto voltou ao sítio com a Marileuza. Mesma coisa do ano anterior, a diferença é que agora o motivo das piadas era o Claudiomiro, namorado da irmã mais nova da Marileuza, Maria Louise. E foi caçar gambuzinho com o tio Onório de novo, só que agora era ele quem carregava a mochila. Em uma conversa, meses depois, com o tio Onório, ele conseguiu arrancar a confissão de que gambuzinho na verdade não era gambazinho e sim um pega ratão. Não existe. E que o que o Mailso tinha na mochila era um gambá que ele tinha matado na madrugada anterior e que eles tinham colocado em um saco dentro do gelo. Tudo arquitetado especialmente pra fazer a sacanagem com ele.”.
            “Bueno, voltando, agora quem ia com o saco e fazer o berreiro, era o Claudiomiro e o Norberto estava dando o troco do trote.”.

sábado, 18 de setembro de 2010

Fear Of The Dark (?)

Certo dia, certas pessoas, certa rua... Na cidade F...
- E aí Amaltino, como que ta?
            - Ô, Bartolomeu! Mais ou menos! E tu?
            - É, mais ou menos também...
            - Ué, cara, o que aconteceu?
            - Perdi 5 mil paus...
            - Como assim? Isso é muito dinheiro!
            - É... Não perdi, perdendo... Perdi, pagando.
            - Para de enrolar e diz logo!
            - Ta, foi mal. Eu tive que comprar um portão de alumínio automático lá pra minha casa.
            - Ué? Por que?
            - Quando eu estava abrindo o portão de casa, dois vagabundos armados me ameaçaram, entraram em casa, pegaram tudo o que conseguiram colocar dentro do meu carro e se mandaram.
            - JESUS! Que horror!
            - Bah, nem me fala, eles estavam muito doidos, ainda bem que minha filha e minha mulher não estavam em casa ainda. Sei lá o que os filhos duma puta não poderiam fazer com elas ainda!
            - E te bateram?
            - Deram-me uma coronhada na cabeça, mas está tudo bem.
            - Quando foi isso?
            - Mês passado.
            - E tu conseguiste ver a cara dos bandidos?
            - Não... Eles me pegaram de costas, botaram uma arma na minha cabeça e me prenderam no banheiro. Talvez tenha entrado algum outro pra ajudar eles, porque fizeram o serviço bem rápido.
            - Pô... Tu vê, e tu já gastou um dinheirão com cerca elétrica, alarme...
            - Nem me fala, só não tinha colocado o portão porque era muito caro... Agora tive que por... Ta louco! Imagina se fazem alguma coisa com as minhas meninas!
            - Deus me livre cara! Melhor nem pensar!
            - Verdade... Mas diga-me, me dissesse que estavas mais ou menos também. O que aconteceu?
            - Fui assaltado também.
            - Mas que cidade de merda, não tem mais segurança!
            - É... E DUAS vezes na mesma semana.
            - Não creio! Que absurdo! Machucaram-te?
            - Não, não.
            - E visse a cara deles?
            - Bah, cara, sabes que não consegui? Não tinha luz ali naquela estação de transbordo pra fazer a integração do transporte público, daí nem tinha como ver a cara do vagabundo mesmo, fora que estava nervoso, sabe, né?
            - Sei, sei... Que azar, soube que fizeram, na má vontade, uma iluminação ali como "medida de segurança".
            - Nem adiantou.
            - Ué, mas não tinhas sido assaltado quando tava sem luz?
            - Dá primeira vez.
            - Mas me dissesse que não tinhas conseguido ver a cara deles pq tava sem luz!
            - É que na segunda vez o cara me botou uma arma na cabeça por trás.
            - Que horror...
            - Acho que a prefeitura pensa que bandido tem medo de luz acesa.
            - Funcionava pra botar medo na minha filha aos 4 anos...
            - Só criança ou pessoa traumatizada pra ter medo, mesmo...
            - Bom, vou nessa. Até uma próxima e se cuida!
            - Pode deixar, se cuida também e mande lembranças à família.
            - Igualmente.

O último ônibus

            Era uma vez, o senhor Alfredo de Souza e Silva. 55 anos, trabalhador da construção civil – pedreiro. Negro, pobre, humilde, chefe de uma família de quatro filhos, dois netos e casado com Dona Maria Francisca Almeida de Souza e Silva. Morador da cidade portuária F precisa pegar quatro ônibus por dia, dois para ir ao serviço e dois para voltar, num serviço de integração que vem sendo criticado há semanas.
            Certo dia, ele precisou ficar até tarde na obra, pois era o prazo final de entrega. Ou concluíam e entregavam ao patrão, ou não recebiam a semana e mais um adicional da empreiteira pela conclusão no prazo.
            Eram 23h e seu Alfredo estava no seu primeiro ônibus. Sonolento, cansado – exausto, pra falar a verdade – e faminto. Não via a hora de chegar em casa, dar um bom beijo na “nega véia” e comemorar muito com ela – pra isso não se sentia cansado – porque, afinal, estava com o dinheiro da semana – 100 reais – e mais o adicional pelo prazo – 150 reais. Fazia planos. Ia dar para o caçula – Amauri - o tal jogo de aventura que tanto queria no videogame, pra filha caçula o All Star que ela tanto queria – não entendia como numa família de amantes do bom pagodinho, podia ter saído uma filha tão revoltada, dessas rockeiras e coisas do tinhoso, mas amava-a acima de tudo – pra filha mais velha – Berenice - como fez besteira de fazer filho em hora indevida – apenas 17 anos de idade, dois a mais da filha caçula, a Anete – daria era uma quantia para comprar fraldas. Sentia-se mal por ela. O desgraçado do namorado só fez “algo-que-nem-queria-imaginar” com sua filhinha e largou ela com o Joaquim na barriga. Pro José Vítor, seu primogênito, daria também uma quantia para ajudá-lo com a casa e a esposa. Casou cedo, com 18, mas fez filho estando casado já. Com o restante que sobrasse, ia dar um presentão pra Maria, um anel de prata que viu numa joalheria no centro da cidade.
            Estava chegando perto do ponto de sua decida. Deu sinal e desceu numa movimentada avenida da cidade e precisava chegar do outro lado para pegar o ônibus, que, por azar, estava saindo. Olhou o relógio rapidamente. 23:30. Era o último. Correu.
           
            Um jovem drogado estava com seus amigos mais drogados ainda num Chevette a 80 km por hora na via onde o limite era 60km/h. Estavam curtindo “Fight The Power” da banda de rap “Public Enemy” a algumas dezenas de decibéis acima do nível seguro quando algo simplesmente estoura o pára-brisa, fazendo o carro perder o controle e bater num poste de concreto, atirando o amigo drogado do motorista drogado em direção ao poste. Estava sem cinto e sentado no meio do banco de trás.
            Dor. Cheiro de sangue e alguma outra coisa que não sabiam distinguir,

            Seu Alfredo sentiu o fêmur, a bacia e a base da coluna fazerem um “crack”. Não deu nem tempo de gritar, pois a sua cabeça bateu no pára-brisa logo em seguida. Rolou pelo capô do carro e caiu no asfalto. Já não sentia mais nada.
            E o ônibus foi embora.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

"O 'Cara'" - Capítulo 1

     - Essa minha maldita vida começou quando eu resolvi prestar o teste de admissão do colégio F. Mas era o melhor colégio da cidade. Digo era, porque eu tive que por um fim naquele antro de demônios e traidores.
    - Ora, eu só queria que me deixassem em paz! Isso é pedir muito?
    - Eu era um cara quieto, na minha, não incomodava ninguém. Era apenas um invisível. Gostava disso e queria que continuasse assim. Mas NÃO!!! ELES TINHAM QUE CHEGAR AO LIMITE!! AO LIMITE!! -  e bati o pé no chão com muita raiva e força, fazendo um baque surdo na madeira alto o suficiente para assustar os que estavam presentes na sala.
    - O senhor está se alterando, Senhor... - disse uma moça que estava coordenando a reunião olhando a minha ficha.
    - Me chame apenas de "Cara" - interrompi a moça loura com rabo de cavalo aparentando uns 40 anos de idade, bastante inteira - entende? - com óculos com uma armação preta e grossa que contorna todo o óculos. Usava um batom vermelho, mas não muito gritante. Brincos prata e um jaleco branco.
    - Cara? - ela me olhou com um semblante de estranheza, mas dei a mínima.
    - Isso, Cara.
    - Certo - fez uma pausa - Cara. Está mais calmo?
    - Sim, senhora.
    - Ok, prossiga. - ela gesticulou com a mão
    - Eu passei os dois primeiros anos engolindo sapo, mas quando eu cheguei ao terceiro... - raiva, preciso me controlar... ufa, passou - E comecei a enxergar algumas coisas que se passavam lá dentro que eram muito bem camufladas. Pessoas que desapareciam, professores que não envelheciam, e acreditem, tinha gente ali com cara de mais de 100 anos - risadas quando terminei de falar isso.
    - Silêncio, turma, vamos deixar o Cara falar - Ela fez aquela maldita pausa de novo, isso te me irritando.
    - Um dia, eu vi uma guria, da minha idade na época, 16 anos. Muito bonitinha, lourinha, parecida com a senhora, dona Lúcia - apontei pra moça loura que está começando a me irritar quando faz aquela pausa pra dizer a minha alcunha. Voltando, ela foi na sala do professor José para tirar alguma dúvida - provavelmente - de química e... Nunca mais foi vista!
    - Ai Jesus! - disse uma velha afro, gorda e com seios que deveriam tapar a vagina, ao se benzer.
    - Fiquei intrigado com aquilo, passou-se um dia, depois dois, três, uma semana e nunca mais vi aquela guria. Então, um belo dia, outra vítima, dessa vez um guri, ele era meu amigo, chamado Thiago, foi tirar uma dúvida com o professor José na sala dele. Gente, eu juro que tentei de tudo pra que ele não fosse, mas não adiantou. ficou dizendo que eu estava inventando coisas e tal. Então eu disse pra ele que se algo ruim acontecesse eu não ia me responsabilizar.
    - Mas tu não tentou fazer nada pra ajudar teu amigo? - disse um cara barbudo que parecia que tinha um formigueiro na cadeira dele, simplesmente não parava quieto.
    - Eu segui ele. Fingi que ia embora e voltei. Vi ele atravessando o pátio do colégio indo em direção ao prédio norte, onde ficam as salas dos professores. Depois, de entrar no prédio, ele subiu as escadas e, quando chegou no segundo e ultimo andar, onde tinha um longo corredor, com 10 portas de cada lado. Ele bateu na oitava porta do lado direito. Cumprimentos. E a porta de fechou.
    - Hey! Hey heyheyeheyheyehey! deixa eu adivinhar, deixa! "E nunca mais foi visto" - disse o maldito barbudo com formigueiro no rabo ao me interromper e tentando imitar a minha voz.
    Usei meu melhor olhar de ódio e funcionou, ele até parou de se mexer, por cinco segundos, um feito, pode apostar.
    - Eu fui caminhando pé por pé, sorrateiramente, até a porta da sala que ele entrou, então eu escutei um som... AQUELE som! AQUELE MALDITO SOM! - e comecei a bufar.
    - CARA, TE ACALMA! - disse a moça loura, sem a pausa... Sorte a dela.
    Funcionou também, fiquei calmo. Foi um feito.
    - O som era um grito, mas era estranho porque não se escuta ele com os ouvidos e sim com a mente, um "OOOOOOOOOOHHHHHH!!" parecido com quando você está gargarejando água antes de cuspir na pia depois de escovar os dentes. Logo em seguida escutei o grito do Thiago. Algo totalmente desesperado, impossível de reproduzir aqui, mas era um misto de desespero, medo, horror e agonia. - a velha das tetas gigantes e caídas se benzeu novamente. Não pensei duas vezes. arrombei a porta, nada muito difícil de se fazer com aquela porta cor azul metálico mas de madeira de uns 40 anos de idade. Então presenciei o absurdo. O professor de química, estava rejuvenescendo, igual aquele filme "A Múmia", e o pobre Thiago se esfarelando. Pó, foi o que sobrou do meu amigo. O professor me olhou espantado, então eu peguei a primeira coisa que vi na frente e acertei a cabeça dele uma, duas, três vezes eu acho. Pelo menos, eu parei de contar no Três. Ah, essa primeira coisa que eu vi na frente foi uma cadeira de madeira maciça suficientemente pesada pra fazer o estrago que estou visualizando na minha lembrança. Sangue. Miolo. Mais sangue. Eu fiquei ensopado de sangue. Então, com medo e ainda atordoado com o que tinha acontecido, eu corri. Fugi chorando pela perda do meu amigo. No caminho eu esbarrei na professora de Literatura, a Senhora Rafaela. Ela me perguntou o que tinha acontecido e eu só consegui dizer "Está morto!!!" e continuei a correr.
    - Cheguei em casa, ninguém estava lá. Que bom. Sem explicação quanto ao meu estado e de minhas roupas. Tomei um banho, e botei minhas roupas para lavar e me tranquei no quarto e... simplesmente apaguei. Não sei como, mas apaguei. Magicamente. Acordei só no outro dia.
    - No outro dia, eu precisava agir naturalmente, então sai de casa cedo e fiquei vagando. Quando me dei conta, estava na frente do colégio. Tremi, foi como se eu tivesse sido guiado, ou sugado praquele inferno. Então, eu escuto uma voz familiar me comprimentando... - fiz uma interrupção de propósito.
    Todos me olhavam atentos e vidrados.
    - Algum palpite? - perguntei. Nada?
    O barbudo que incrivelmente estava quieto - acho que ele tava era se borrando nas calças, mas estava estático - disse: "O Thiago?"
    - Não! - Bradei. O professor José!
    Um alvoroço se instalou na sala. Caos. Gritos de medo. E a última coisa que eu me lembro de ouvir foi a dona Lúcia gritando para que todos ficassem calmos.


Dedicado ao co-autor e grande amigo Thiago Ávila Pouzada.