terça-feira, 29 de maio de 2012

O coito e a cultura pop


            - Acho a Madonna uma ridícula. – Disse Paulo, enquanto caminhava ao lado de Greice, e do lado esquerdo do cordão da calçada.
            - Ah... Não fala da Madonna... – Greice falou com uma tristeza na voz.
            - Veja, ela tem 60 anos já.
            - E?
            - Bem, ela age como se tivesse... Sei lá... 20... Se acha a Britney Spears em início de carreira.
            - As músicas são inteligentes...
            - Concordo. Mas eu me refiro ao visual.
            - Ela tem dinheiro e pode ficar jovem do jeito que conseguir pagar. Toda mulher sonha com isso na metade da idade dela.
            - ... Eu sei... O que eu quero dizer – falou mais alto enquanto uma moto passava barulhentamente por eles – é que ela não assume a idade. As roupas... O cabelo... Aqueles collants... Iguais aos que ela usava quando cantava “Like a virgin”... Meu Deus! Visão do inferno.
            - Queres que ela use o que? Avental de cozinha e xales? Hahaha! Ela vai aparecer na TV, não esquece.
            - Como se mulher de 60 anos usassem somente aventais e xales...
            - Eu sei, só estou brincando contigo. Entendi o teu ponto. Pensando por esse lado...
            - Imagina se a gente passa por uma vovó agora usando uma calça de couro ou uma legging... Branca! ARGH!
            - Hahahaha! É o mesmo que ver os vovôs do rock sem camisa. – Greice fez uma cara de nojo.
            - Mas eles se aposentam antes dos 60... Com raras exceções. Ou morrem... - Titubeou - Aos vinte e poucos... 
            - Fato...
            Caminharam em silêncio por algum tempo. Paulo não sabia precisar. Greice não pareceu se importar, mas Paulo sim. Estava apaixonado por essa Polaca de farmácia de olhos castanhos. Olhava a paisagem em busca de inspiração para puxar assunto. Aquele maldito momento onde se está com quem se nutre uma forte paixão e, simplesmente não sabe o que dizer. Olhou para uma praça a sua esquerda. Apenas um bando de garotos jogando futebol. Três dentro três fora, em uma goleira sem redes, para ser mais exato.
            A mutês continuava e isso o incomodava... Essa falta de assunto.
            De repente, uma guria se aproxima. Ele tem um choque:
            - Meu Deus!
            - Que foi? – Greice pergunta.
            - Aquela guria... – Falou alto.
            - Estás falando alto! Cala a boca! – cochichou intensa e encabuladamente.
            - Ih, foi mal! – Avexou-se
            A guria passou encabulada pelo casal, devido o esparro do Paulo, porém, deu uma leve encarada nele. Greice sentiu-se enciumada com a situação.
            - Ela é igual a Kelly! – falou Paulo.
            - Que Kelly?
            - Do “Misfits”. Só que morena.
            - Não reparei. Fiquei com vergonha de olhar, depois do teu esparro.
            - Foi mal.
            - Tudo bem...
            - Chegaram à parada de ônibus. Ficaram em silêncio. Aquele silêncio novamente, que paira sobre os casais apaixonados, onde um está a fim do outro, mas ambos são estúpidos o bastante para não perceberem a reciprocidade.
            A parada fica em frente a uma padaria/sorveteria/cafeteria. Uma menina de cerca de dez anos de idade, cabelos compridos castanhos e até as costas, com uniforme do colégio, calças azuis - claras e camisa branca de manga curta, passou correndo pelos dois. Depois outra, provavelmente perseguindo a amiga, ou irmã, porque eram muito parecidas.
            Greice percebeu que Paulo estava perdido em pensamentos. Resolveu perguntar sobre o que se passava ali em marte, lugar onde ele provavelmente estava, para puxar assunto, tomar uma iniciativa, pois percebeu que Paulo era realmente muito tímido, e que ele nunca tomaria a iniciativa. Não era seu costume dar o primeiro passo, mas não se importou. Julgou que o rapaz valeria a pena.
            - Alô, alô! Terra chamando Paulo.
            - Oh, me desculpe! Estava distraído... – corou.
            - Não foi nada... Quer compartilhar o que pensava? – A falsa loura deu um sorriso realmente lindo.
            - Ahm... Ah... É que... Aquelas guriazinhas me fizeram pensar numa coisa...
            - Pode falar. – Greice manteve o sorriso.
            - Eu tava pensando sobre o futuro delas. Que elas se tornariam máquinas de fazer sexo e sedutoras/devoradoras de homens. Arrumarão um namorado daqui uns três anos. Fugirão de casa para foder e ficarão grávidas. Depois, de repente, voltam para casa, deixando para os avós criarem a criança, arrumam um novo namorado e voltam a foder. Na verdade, a culpa não é delas. Está na TV, nos canais infanto-juvenis, nas músicas mais tocadas nas rádios, nas lojas de roupas, nas escolas, no shopping  center, na igreja, seja evangélica, católica ou o diabo que for, e nos próprios adultos. Talvez seja impossível fugir disso... Nah... Existem ainda os cemitérios.
            Greice sentiu que seu sorriso ia se desfazendo assim que Paulo construía o seu parágrafo. Ela não disse nada. Nem concordou e nem meneou com a cabeça. Ficaram em silêncio novamente.
            Então o ônibus chegou. Paulo subiu e Greice se despediu dele.
            Ele nunca mais a viu.

sábado, 26 de maio de 2012

"Algo que você não consegue entender" - Vivian pt.4


Para ti, meu amigo leitor, que perdeu os capítulos anteriores, clica aqui para o 3, aqui para o 2 e, aqui para o 1.

-------------------------------------------------------------------------------------------------

            Vivian colocou o colete ainda no corredor, em meio às lágrimas. Achava que estava apaixonada pelo amigo. Na verdade estava. Mas saber que ele o trataria da mesma forma que Jorge foi um golpe muito duro em seu coração. O elevador não estava ali, então, resolveu pegar as escadas, colocar os sapatos, e chamar o mesmo no andar de baixo, para despistar Lucas, se ele viesse a procurá-la. Parou perto da porta corta fogo do andar inferior e colocou os sapatos e percebeu que tinha esquecido a meia-calça no apartamento do ex-amante. Entrou no Hall do elevador e apertou o botão. Não esperou muito e ele havia chegado. Sua visão estava embaçada. Lágrimas rolavam pelo seu rosto. Ajeitou o cabelo no espelho do elevador e enxugou as lágrimas, mas novas vinham à tona. Jogou o cabelo no rosto, na tentativa de esconder o choro.
            Chegando ao térreo, passou reto pelo Seu Joaquim, que se despedia, sem resposta. O passo era apressado. O porteiro entendeu que a moça não estava de bom humor e isso não o afetou. Decidiu que gostava dela de qualquer forma. Assim que ela se aproximou da porta, apertou o botão da trava eletrônica. Ficou orgulhoso de sua agilidade, podendo ajudar a pobre e linda donzela.
            A mulher ganhou a rua. Agora não tinha ninguém olhando e continuava chovendo forte. Resolveu não tentar conter mais a agonia em seu coração. Percebeu que soluçava quando errava o buraco da fechadura da porta do carro, devido aos espasmos. Abriu a porta, entrou e bateu-a com força involuntária. Tentou se acalmar um pouco. Dirigir dessa forma e nessas condições climáticas não era bom para ninguém. De certa forma ela queria que Lucas viesse ao seu encalço e que lhe pedisse perdão... Na verdade, queria que ele apenas viesse. Esperou um tempo que não soube precisar. Lucas não veio, então ela deu partida no carro, deu o pisca para a esquerda e tomou a rua.
            Quando deu por si, estava na frente da casa do noivo. Estacionou na frente da garagem. Respirou fundo. Olhou-se no espelho. Ainda estava com uma cara péssima. Não se importou. Pegou suas coisas que estavam no banco do carona. Viu que Lucas tinha ligado. Apertou no botão “cancelar” e os ícones de chamadas não atendidas e mensagens recebidas desapareceram. Abriu a porta da casa e entrou.



FIM

terça-feira, 22 de maio de 2012

"Algo que você não consegue entender" - Vivian pt.3


  Se tu perdestes as duas primeiras partes, clica aqui para a 1ª e aqui para a 2ª
-----------------------------------------------------------------------------------------------------

          - Então, o que querias conversar? – Lucas se aproximou mais da amiga e passou o braço por trás da cabeça dela. Viu que a expressão da bela ruiva se fechou um pouco. Ela se aninhou ao seu corpo.
            - Ai... É o Jorge... Eu não entendo mais, sabe? – Lucas já imaginava que esse seria o assunto. O noivo. Suspirou mentalmente.
            - Não, não sei... O que ele aprontou? Te traiu de novo?
            - Ai, não fala isso... Não gosto de lembrar... Deixa-me muito triste... Eu não sei, sabe? Parece que ele perdeu o tesão por mim... – Lucas fez uma repassada mental no que tinha visto no batente de sua porta e se perguntou: “como que alguém perde o tesão por uma criatura dessas?” – Sabe, ambos chegamos cansados em casa, mas eu... Eu procuro, sabe? Comprei essa lingerie que tu arrancou de mim – abriu um sorriso – ... Apareci vestindo só ela. E ele disse “agora não posso, to ocupado.”. PORRA! Depois que ele terminou de fazer a merda que ele tava fazendo ali, veio com o papo de “vamos continuar de onde paramos?”. Depois que eu já estava quase dormindo e de pijama! Quando que eu uso pijama? Nunca! Olhei pra ele e disse “Tu só pode estar de sacanagem com a minha cara, né?”. Daí ficou todo bravinho. Hoje de manhã, nem falou comigo. Foi direto para o trabalho. Nem me esperou. Acho que nem tomou café, só pra sair mais rápido de casa. – Então tomou mais um gole de vinho. Seu olhar ficou taciturno. Simplesmente nada haver com a mulher de meia hora atrás. “Vai ser hoje!”, pensou Lucas novamente.
            - Vivis... Eu estou a anos te dizendo... Esse cara não é o cara certo pra ti...
            - Mas eu amo ele, Lucas.
            - Ama nada. E, pelo jeito, ele também não te ama! Eu só te vejo reclamares do traste!
            - Ele sabe ser romântico. Ele tem bastante carinho por mim também.
            - Romântico... EU sei ser romântico contigo.
            - O que tu estás querendo dizer? É isso que eu to pensando mesmo, Lucas? – Lucas travou. Tentou falar, mas não sabia o que. Simplesmente, parecia que tinha desaprendido o idioma.
            - Por um acaso tu estás me dizendo que ele não me ama porque tu achas que ele não me come direito?! É isso?! – Lucas pensou, “Puta que pariu! Ela entendeu tudo errado!”
            - N-n-não! Não é...
            - Eu não esperava isso de ti, Lucas! – Se levantou e saiu catando suas roupas e vestindo-as rapidamente.
            - Espere! Deixe-me falar!
            Vivian não disse nada, simplesmente foi se vestindo.
            - Vivi, espera, não vai embora. – Segurou-a pelo braço.
            - Me solta!
            - Espera! Me escuta, porra! – Ambos congelaram. Agora Lucas sabia. Tinha estragado tudo. Uma lágrima brotava dos olhos de Vivian. Ele diminuiu a força em sua mão lentamente. Ela não esperou e desvencilhou o braço com um puxão.
            - Eu não esperava isso de ti, Lu... – Falou com uma voz embargada. – Tu és igual a ele... Por isso que eu achei que eu... – Não completou a frase. Baixou o rosto e saiu
            - O que?! Não! Espera! – Vivian já estava quase totalmente vestida. Só faltavam os sapatos e o colete. Ela caminhava em direção à porta. – Espera, por favor, Vivian!
            Vivian alcançou a porta. Abriu-a.
            - Espera, por favor, Vivi! Eu... – Ela bate a porta na cara do amigo desesperado, enquanto ele se aproximava; E Vivian mal conseguia conter as lágrimas. – Te amo... – Lucas falou com uma voz que morreu rapidamente.


Continua

sexta-feira, 18 de maio de 2012

"Algo que você não consegue entender" - Vivian pt.2


           - Gosta do que vê? – Vivian perguntou, e começou a avançar em direção dele. Lucas balbuciou qualquer coisa ininteligível e recuou um passo. Vivian fechou a porta, sem desgrudar dos olhos dele e... Não há palavra que descreva melhor do que “agarrou” o amigo e deu-lhe um duradouro e suculento beijo na boca.
            Quando Lucas se deu por conta, estava na cama com a amiga, acabando com o jejum de dois meses desde a última vez que esteve com ela. Estava fora de si. Não sabe como, mas tinha colocado preservativo. Vivian apertava os lábios. Suspirava. Gemia. Ela virou o rosto em direção à porta do quarto do amigo e viu que suas roupas faziam uma trilha até a cama. Sorriu e foi mais uma vez as nuvens, enquanto Lucas a beijava o pescoço e não parava com os movimentos. Não demorou muito e acabou gozando. Lucas terminou logo em seguida e rolou para o lado. Ofegavam. Lucas levantou.
            - Vou ali ao banheiro jogar isso fora. – Falou e trocou um rápido beijo com a amiga.
            - Tudo bem. – Ela sorriu – Volta rápido que eu quero conversar contigo, tá?
            - Claro. Queres beber alguma coisa?
            - Aceito um vinho.
            - Certo, só um momentinho.
            Lucas entrou e saiu rapidamente do banheiro. Foi até seu mini bar, pegou um de seus melhores vinhos e apanhou um saca rolhas. Pensava: “vai ter que ser hoje!”. Principalmente porque, desta vez, sentiu algo bem diferente durante a transa. Tinha sido muito intenso. E ela nunca tinha chegado assim, dessa forma. Totalmente preparada, premeditada, dolosa. Não conseguiu deixar de sorrir. Sacou a rolha, enquanto ouvia Vivian o chamando. Pegou duas canecas. Sabia que era assim que ela gostava de beber vinho. Pegou a favorita dela, uma do Soundgarden que ele tinha ganhado do fã clube brasileiro numa promoção. Serviu o vinho e foi para o quarto.
            Vivian estava sentada na cama, coberta pelo lençol. Abriu um sorriso quando viu que o amigo lhe trazia o vinho em sua caneca favorita. Lucas lhe entregou a caneca, fez a volta na cama e sentou ao lado da amiga.
            - Uau! Esse vinho é maravilhoso!
            - Eu sei, baby.
            - De onde tirasse essa de “baby”? – Vivian deu uma risada depois de falar.
            - Ah, peguei essa mania. É um autor que eu ando lendo.
            - Tudo bem, “Baby” – Debochou, e bebeu mais um pouco.



Continua
Se perdestes a parte 1, clica aqui

domingo, 13 de maio de 2012

"Algo que você não consegue entender" - Vivian pt.1


            Vivian estava dirigindo seu “Kia Soul” vermelho. Tinha sido um dia difícil no trabalho e, agora, chovia forte. Os limpadores estavam a toda velocidade, ao contrário do trânsito. Estava tão lento que acabou parando por um tempo. Bufou. Decidiu ligar para Lucas, o seu melhor amigo.
            - Oi, Lu! É a Vivian! Vai estar sozinho em casa?
            - Vou sim, Vi, mas é que...
            - Estou indo aí! Beijos! – Interrompeu-o, desligou e jogou o celular no banco do carona. Viu que o trânsito não ia ajudar, então, botou um “Green Day”, das antigas, para tocar, no talo. Quando Billie Joe começou a cantar “Burn out”, já começou a bater cabeça, fazendo balançar seus cabelos ruivos e alaranjados e naturais balançarem. Em seguida, passou a tamborilar o volante. Vez ou outra diminuía o ritmo das batidas de cabeça para se concentrar no trânsito.
            Levou meia hora para chegar à casa do amigo. Era um prédio com aspecto sofisticado e luxuoso, porém era velho, mas, ainda assim, se localizava numa área central da cidade, então era suficientemente valorizado. Não teve dificuldades para encontrar uma vaga de estacionamento próxima. Agradeceu aos céus, pois ficaria ensopada. Pensou que não seria uma má ideia. Sorriu maliciosamente com seus lábios pintados provocantemente de vermelho. Abriu a porta do carro, saiu o mais rápido possível e fechou-a, depois, seguiu andando calmamente na chuva. Subiu uma escadaria de dez degraus que dá acesso a porta do edifício. O porteiro lhe reconheceu e apertou o botão, fazendo a trava eletrônica da porta fazer o seu barulho característico. Vivian empurrou-a, fazendo-a abrir, então, entrou.
            - Boa noite, dona Vivian. – Disse o porteiro educadamente.
            - Boa noite, seu Joaquim. – Respondeu simpaticamente enquanto andava em direção ao par de elevadores.
            - Chuvarada, não?! – Perguntou afirmando o porteiro.
            - Veio em boa hora. Fazia muito calor. – Passou pela mesa do porteiro. Ele então se deu conta do que via e ficou um atordoado. Acompanhou o rebolado da jovem de 26 anos, ao compasso do “toc-toc” dos sapatos de salto. Por azar já tinha um elevador de prontidão. Vivian abriu a porta, entrou e esperou o mecanismo de fechamento automático lentamente fechá-la. Joaquim se benzeu.
            Tinha um espelho no elevador. Vivian se olhou. Teve um arrepio. Sentiu que estava perfeita. Seus cabelos estavam pingando água. Deu um jeito neles para que ficassem mais agradáveis ao seu próprio olhar. Suas sardas estavam comportadas e não se manifestavam muito. Não que ela tivesse vergonha delas, pelo contrário. Mas quando se pega sol, elas ficam mais evidentes, e isso ela não gostava muito. Lucas dizia que era parte do seu charme. O elevador chegou ao andar no qual o amigo morava. Abriu-se a porta metálica automaticamente.  A ruiva empurrou a porta gentilmente, pois, poderia ter alguma criança brincando atrás desta, mas, assim que saiu do elevador, viu que não havia nenhuma. Dobrou a direita, foi até o fim do corredor, girou o corpo para a esquerda e apertou a campainha.
            Lucas escutou a campainha e foi atender. Estava frustrado porque Vivian não havia atendido seus telefonemas desde que ela não o deixara terminar de falar a pouco, então, teve de cancelar seus planos. Chegou perto da porta, respirou fundo, pensando na mijada que daria na amiga. Meteu a mão na maçaneta e abriu rapidamente, para demonstrar um pouco de braveza. Assim a porta que abriu, foi totalmente desarmado pelo que viu.
            Era Vivian, sua querida amiga ruivinha, fazendo caras e bocas, toda molhadinha, fazendo uma pose extra sensual escorada no batente da porta. A água da chuva fez o seu sutiã branco com babados transparecer sob a camisa social também branca, que era coberta por um colete preto, que, evidentemente, realçava seu peito. A saia do terno era suficientemente longa para cobrir o que havia até metade das coxas, algo que ela não estava fazendo muita questão de esconder naquele momento. Ela estava de cabeça baixa. Quando a porta abriu, ela começou a levantar a cabeça e, assim que avistou o amigo, que estava sem camisa, deu um sorriso. Lucas estava de boca aberta, o que a deixou mais... Contente ainda.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Sem norte


            Jeremias andava pela rua a esmo. Havia se formado no ensino superior. Estava confiante com as promessas de emprego e vida resolvida. Depois de dois anos, descobriu que o canudo era apenas um consolo de papel. Um consolo de vinte e cinco centímetros. Ninguém queria saber daquele curso, ainda mais alguém formado naquilo. Era o mesmo que dizer para as pessoas que trabalha como músico ou que é poeta. A pergunta subsequente a essa afirmativa é sempre a mesma “Tá... mas eu quero saber no que você trabalha?”. Enfim, uma sub-raça. Uma sub-raça do caralho. Pior que dizer que é ladrão ou assassino. As pessoas respeitam mais, mesmo que seja pelo medo. Pior que ser filho gay de um pai conservador. Têm igrejas que dizem curar esse mal. Ainda teria uma solução.
            Estava desnorteado, encachaçado e fedia. As pessoas o definiam como louco, mendigo ou, simplesmente, perdedor. E ele sabia disso. A mulher o tinha deixado. Ela ainda o amava. Palavras ditas no dia em que ela foi embora. E ele também. Ainda é totalmente apaixonado por ela. Mas que mulher que vai querer um sujeito que seja incapaz de lhe prover sustento? Um abrigo? Uma estabilidade? Mesmo que seja dessas moderninhas, com sentimento de liberdade e independência.
            Sofia não saía de sua cabeça. Antes a bebida fazia o seu dever de prover o esquecimento, mesmo que por alguns minutos, porém, o corpo adquiriu uma resistência ao álcool e ele não fazia mais efeito. Imagens dela em seu primeiro encontro, seu primeiro beijo, quando a pediu em namoro, quando a disse que a amava pela primeira vez, quando ela disse que o amava pela primeira vez, e quando prometeu a ela que tudo ficaria bem e que se casariam, após uma tormenta na vida dela, vinham a sua cabeça. Por isso caminhava sem rumo. Pensava que, caso chegasse a exaustão física, perderia a consciência e, assim, acabaria parando de pensar nela, se tivesse sorte, seria por algumas horas. Até dormir era um martírio. Era quando sentia mais falta de seu toque, da sua inquietude que não o deixava dormir, seus cabelos negros caindo no rosto e boca não que também não o deixavam dormir, das conversas sobre o dia, dos aconselhamentos, da cumplicidade, dos corpos gelados tentando se aquecer no inverno enquanto dormiam de conchinha... 
            Estava introspectivo quando começou a atravessar a rua. As lembranças vinham do interior de sua mente e eram projetadas por seus olhos. Sabia que estava perdendo a razão quando via o rosto da amada na face de cada mulher que passava por ele. Depois, sentiu que flutuava. Alcançou o céu, tocou as nuvens... Sofia o estava abraçando. Pedia perdão e o beijava.
            De repente, sentiu um baque e ficou tudo escuro.
            Estava em paz.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Prosa à CHB


            Era inverno. Junho. Faltava uma semana para o meu aniversário. Estava sozinho em casa. Família viajando. Não tinha ninguém. Preferia a compania de um fardo de cervejas e algumas garrafas de cachaça. A última mulher que tinha amado me negara seu coração. Duas vezes. Resolvi que era melhor tirar férias disso. Talvez para sempre. Acho que não. A simples visão de um casal me deixava doente. Risinhos, carícias, diálogos de seis anos de idade mental, cinema, lanches, restaurantes, beijos, e toda a sorte de palhaçada retardante. Por isso não viajei com a família. Meu irmão iria levar a namorada junto e todos iriam para a casa do meu outro irmão, esse mais velho, em uma cidade a quinhentos quilômetros daqui. Ele é casado e tem duas filhas.
            Enfim, açúcar demais.

            Eram seis da tarde. Tinha comprado alguns charutos numa mercearia distante. Na caixa diziam ser cubanos. Não entendia muito do assunto e paguei a mixaria proposta pelo dono da mercearia. Eu sabia da fama desses charutos, o que causou a minha estranheza perante o preço. Não dei bola. Tinha acordado a cerca de uma hora e não tinha almoçado ainda. Não por falta de comida. Muito pelo contrário. Havia comida o suficiente para alimentar dez pessoas por uma semana. Minha mãe tinha preparado tudo. Era só esquentar e comer mas não tinha a mínima vontade. Um pouco de preguiça também.
            O telefone tocou. Atendi. Era Douglas.
            - Posso passar aí? – Ele perguntou.
            Pensei um pouco. Ah, pro inferno.
            - Claro, cara.
            - Como chego aí?
            - Desce na parada depois do colégio. Segue reto pela rua até acabar o calçamento, isso vai dar uns nove quarteirões. Dobre à esquerda. É a casa com um pastor alemão na frente. Não tem erro. – Fiquei na esperança de que ele desistisse, por causa da longa viagem de ônibus, cerca de uma hora, e, depois, mais vinte minutos de caminhada, que, por causa dos quarteirões serem maiores que os do centro da cidade, aparentarem tornar o percurso duas vezes maior, assim como o tempo.
            Não me leve a mal. O Douglas é um grande sujeito, mas não tinha vontade de fazer nada e nem de ver ninguém.
            - Certo, brother, em uma hora eu chego aí. – Suspirei mentalmente – Se eu me perder, te ligo.
            - Não tem como errar.
            - Certo. – Desligou.
            Desliguei e servi uma dose de cachaça. Sem gelo.
            Enquanto isso, eu pensava: “28 anos, sem mulher, sem emprego, moro com meus pais e não sei cozinhar, nem lavar e muito menos passar.”.
            Emborquei duma vez só o martelinho de cachaça. Fiz uma careta, me arrepiei, botei a língua para fora e sacudi a cabeça. Servi mais uma dose e, acendi um charuto e esperei. Enquanto isso, um vizinho filho de uma puta ligou o som do carro fazendo penetrar no meu ouvido, como um caralho de 30 cm em uma xota virgem, um funk nas minhas orelhas. Filho de uma puta de D.J. de rua do caralho. Era como se fosse pago pelo governo para botar essas merdas pra tocar nas ruas.
            Pau no cu.

            Achei que teria um pouco de sossego depois que o filho da puta do D.J. de via pública resolveu desligar o som, mas dez minutos depois Douglas chegara. Bateu palmas, assobiou e o cachorro latia. Praguejei e levantei da poltrona da sala. Percebi que não havia acendido uma luz sequer na casa quando tropecei num puff marrom com rodinhas. Praguejei novamente. Douglas continuava batendo palmas e assobiando, e o cachorro latindo.
            Abri a porta e mandei o cachorro tomar no rabo.
            - Tá querendo se esconder de quem? – Perguntou, fazendo piada da localização da minha casa.
            - De filhos da puta cretinos que nem você. – Ele riu e nos abraçamos. Notei que ele carregava uma sacola. – O que tem aí?
            - Heinekens.
            - Eu te amo, cara.
            - Eu sei. – Entramos em casa. – Tu estás fedendo a cachaça.
            - É uma artesanal que eu comprei. Quer um pouco?
            - Claro. Com gelo.
            - Veadinho.
            Entreguei pra ele a dose.
            - Que tens feito? – Perguntou.
            - Bebido, jogado vídeo game, jogado computador, bebido, tocado bronha, e, quando sobra tempo, escuto música... Ah, e escrevo um pouco.
            - Devias investir nisso.
            - Em beber? Ou na punheta?
            - Não, escrever.
            - Oh... pois é, deveria...
            Ficamos em silêncio por algum tempo.
            - E tu? – Abri uma garrafa de cerveja e perguntei.
            - Bem, era sobre isso que queria falar contigo... Por isso que eu quis vir. Estou apaixonado, cara!
            - Boa sorte. – Saudei-o com a garrafa e entornei.
            - Estou inseguro.
            - Corta essa... Qual o nome? – Arrotei.
            - Não sei.
            - Essa é boa. – Tomei mais um talagaço – Eu amo essa cerveja! – Beijei a garrafa. – Agora me diz uma coisa: Como que tu, com trinta anos, amas uma mulher em nem sabes o nome...? Não me diz que voltasse a jogar essas merdas de RPG online?!
            - Não! Não é isso... Ela mora numa casa no mesmo condomínio que eu. Sabes né? Aquelas bixeiras de quarto/sala/cozinha e um banheiro, menores que um kitnet que o governo construiu e as pessoas acabaram abandonando, não dando à mínima se iriam para a cadeia pelo abandono do benefício. Bom, depois de muitos vagabundos ocuparem o lugar, alguém comprou aquilo lá e deixou de herança para a nossa atual senhoria. É uma mulher jovem, bonita, mas é uma filha duma puta sacana. Só quer saber de ser fodida por uns tipos desses de academia, daí resolve dar o troco e foder com os outros. Enfim, ela quer expulsá-la por dever apenas dois meses de aluguel.
            - Desempregada?
            - Não. É puta mesmo. Mas é a mais bela que eu já vi.
            - Se é bela e é puta, como que está sem dinheiro?
            - Ela bebe. Acho que cheira também. Os boatos são de que ela foi deixada no altar. Três vezes.
            - Você é louco.
            - Acho que sou mesmo... Quero ajudá-la, sabe? Me sinto mal de vê-la sofrer assim e não poder fazer nada.
            - Bem, se ela é uma puta, tem uma forma de ajudar...
            - Não quero pagar para tê-la. Aliás, me demiti lá do porto.
            - Asno.
            - Não aguentava mais.
            - Reclamava os teus direitos, dessa forma, eles te demitiriam. Ser revolucionário incomoda muita gente. Assim, como os elefantes. – Acho que já estava bêbado.
            - Pois é... Não tinha pensado nisso... Ganharia o seguro...
            - E as indenizações.
            - E as indenizações... – Olhou pro nada por uns instantes e então baixou a cabeça. Ficamos assim por uns minutos. Ele de cabeça baixa e eu bebendo cerveja e fumando charuto.
            - E o teu último salário? Sobrou algo? – Perguntei.
            - Não muito. Tenho para voltar para casa e tomar mais um porre.
            - Arrume um novo emprego.
            - Estou cheirando a cachaça. Criei esse hábito desde que a Joana me deixou, lembra?
            - Então, pare de beber. Dê uns... Sei lá... uma semana, tome uns banhos, corte o cabelo, faça a barba, desamasse o terno e saia distribuindo currículos.
            - Isso! É isso que farei! Acho que ali na barra eu posso conseguir algo... Tenho experiência no porto né... Bom, adeus cerveja! Vou jogar pro santo.
            - O santo que vá tomar no rabo. Não vem merecendo trago nos últimos tempos. Passa essa merda pra cá.
            - Tudo bem.
            Douglas foi embora, mas antes terminou o fardo de cerveja e as Heinekens comigo.
            Sobrara um resto de cachaça artesanal, mas já estava enjoado dela. Eram onze horas da noite. Abri a adega do meu pai, peguei um uísque, servi uma dose, pus gelo, e entornei. Servi outra dose e acendi mais um charuto. Era o último. Liguei a TV e coloquei em um canal onde só tocava música. Blues para ser mais preciso. Robert Johnson uivava uma de suas principais canções, mas eu não reconheci qual. Sentei na poltrona bege, traguei o charuto e liberei a fumaça. Minha mãe ia me matar por causa do cheiro. Dei outra tragada.