Era inverno. Junho. Faltava uma semana para o meu
aniversário. Estava sozinho em casa. Família viajando. Não tinha ninguém.
Preferia a compania de um fardo de cervejas e algumas garrafas de cachaça. A
última mulher que tinha amado me negara seu coração. Duas vezes. Resolvi que
era melhor tirar férias disso. Talvez para sempre. Acho que não. A simples
visão de um casal me deixava doente. Risinhos, carícias, diálogos de seis anos
de idade mental, cinema, lanches, restaurantes, beijos, e toda a sorte de
palhaçada retardante. Por isso não viajei com a família. Meu irmão iria levar a namorada junto e todos iriam para a casa do meu outro irmão, esse mais velho,
em uma cidade a quinhentos quilômetros daqui. Ele é casado e tem duas filhas.
Enfim, açúcar demais.
Eram seis da tarde. Tinha comprado alguns charutos numa
mercearia distante. Na caixa diziam ser cubanos. Não entendia muito do assunto
e paguei a mixaria proposta pelo dono da mercearia. Eu sabia da fama desses
charutos, o que causou a minha estranheza perante o preço. Não dei bola. Tinha
acordado a cerca de uma hora e não tinha almoçado ainda. Não por falta de
comida. Muito pelo contrário. Havia comida o suficiente para alimentar dez
pessoas por uma semana. Minha mãe tinha preparado tudo. Era só esquentar e
comer mas não tinha a mínima vontade. Um pouco de preguiça também.
O telefone tocou. Atendi. Era Douglas.
- Posso passar aí? – Ele perguntou.
Pensei um pouco. Ah, pro inferno.
- Claro, cara.
- Como chego aí?
- Desce na parada depois do colégio. Segue reto pela rua
até acabar o calçamento, isso vai dar uns nove quarteirões. Dobre à esquerda. É
a casa com um pastor alemão na frente. Não tem erro. – Fiquei na esperança de
que ele desistisse, por causa da longa viagem de ônibus, cerca de uma hora, e,
depois, mais vinte minutos de caminhada, que, por causa dos quarteirões serem
maiores que os do centro da cidade, aparentarem tornar o percurso duas vezes
maior, assim como o tempo.
Não me leve a mal. O Douglas é um grande sujeito, mas não
tinha vontade de fazer nada e nem de ver ninguém.
- Certo, brother,
em uma hora eu chego aí. – Suspirei mentalmente – Se eu me perder, te ligo.
- Não tem como errar.
- Certo. – Desligou.
Desliguei e servi uma dose de cachaça. Sem gelo.
Enquanto isso, eu pensava: “28 anos, sem mulher, sem
emprego, moro com meus pais e não sei cozinhar, nem lavar e muito menos passar.”.
Emborquei duma vez só o martelinho de cachaça. Fiz uma
careta, me arrepiei, botei a língua para fora e sacudi a cabeça. Servi mais uma
dose e, acendi um charuto e esperei. Enquanto isso, um vizinho filho de uma
puta ligou o som do carro fazendo penetrar no meu ouvido, como um caralho de 30
cm em uma xota virgem, um funk nas minhas orelhas. Filho de uma puta de D.J. de
rua do caralho. Era como se fosse pago pelo governo para botar essas merdas pra
tocar nas ruas.
Pau no cu.
Achei que teria um pouco de sossego depois que o filho da
puta do D.J. de via pública resolveu desligar o som, mas dez minutos depois
Douglas chegara. Bateu palmas, assobiou e o cachorro latia. Praguejei e
levantei da poltrona da sala. Percebi que não havia acendido uma luz sequer na
casa quando tropecei num puff marrom com rodinhas. Praguejei novamente. Douglas
continuava batendo palmas e assobiando, e o cachorro latindo.
Abri a porta e mandei o cachorro tomar no rabo.
- Tá querendo se esconder de quem? – Perguntou, fazendo
piada da localização da minha casa.
- De filhos da puta cretinos que nem você. – Ele riu e
nos abraçamos. Notei que ele carregava uma sacola. – O que tem aí?
- Heinekens.
- Eu te amo, cara.
- Eu sei. – Entramos em casa. – Tu estás fedendo a
cachaça.
- É uma artesanal que eu comprei. Quer um pouco?
- Claro. Com gelo.
- Veadinho.
Entreguei pra ele a dose.
- Que tens feito? – Perguntou.
- Bebido, jogado vídeo game, jogado computador, bebido,
tocado bronha, e, quando sobra tempo, escuto música... Ah, e escrevo um pouco.
- Devias investir nisso.
- Em beber? Ou na punheta?
- Não, escrever.
- Oh... pois é, deveria...
Ficamos em silêncio por algum tempo.
- E tu? – Abri uma garrafa de cerveja e perguntei.
- Bem, era sobre isso que queria falar contigo... Por
isso que eu quis vir. Estou apaixonado, cara!
- Boa sorte. – Saudei-o com a garrafa e entornei.
- Estou inseguro.
- Corta essa... Qual o nome? – Arrotei.
- Não sei.
- Essa é boa. – Tomei mais um talagaço – Eu amo essa
cerveja! – Beijei a garrafa. – Agora me diz uma coisa: Como que tu, com trinta
anos, amas uma mulher em nem sabes o nome...? Não me diz que voltasse a jogar
essas merdas de RPG online?!
- Não! Não é isso... Ela mora numa casa no mesmo
condomínio que eu. Sabes né? Aquelas bixeiras de quarto/sala/cozinha e um
banheiro, menores que um kitnet que o governo construiu e as pessoas acabaram
abandonando, não dando à mínima se iriam para a cadeia pelo abandono do
benefício. Bom, depois de muitos vagabundos ocuparem o lugar, alguém comprou
aquilo lá e deixou de herança para a nossa atual senhoria. É uma mulher jovem,
bonita, mas é uma filha duma puta sacana. Só quer saber de ser fodida por uns
tipos desses de academia, daí resolve dar o troco e foder com os outros. Enfim,
ela quer expulsá-la por dever apenas dois meses de aluguel.
- Desempregada?
- Não. É puta mesmo. Mas é a mais bela que eu já vi.
- Se é bela e é puta, como que está sem dinheiro?
- Ela bebe. Acho que cheira também. Os boatos são de que
ela foi deixada no altar. Três vezes.
- Você é louco.
- Acho que sou mesmo... Quero ajudá-la, sabe? Me sinto
mal de vê-la sofrer assim e não poder fazer nada.
- Bem, se ela é uma puta, tem uma forma de ajudar...
- Não quero pagar para tê-la. Aliás, me demiti lá do
porto.
- Asno.
- Não aguentava mais.
- Reclamava os teus direitos, dessa forma, eles te
demitiriam. Ser revolucionário incomoda muita gente. Assim, como os elefantes. –
Acho que já estava bêbado.
- Pois é... Não tinha pensado nisso... Ganharia o
seguro...
- E as indenizações.
- E as indenizações... – Olhou pro nada por uns instantes
e então baixou a cabeça. Ficamos assim por uns minutos. Ele de cabeça baixa e
eu bebendo cerveja e fumando charuto.
- E o teu último salário? Sobrou algo? – Perguntei.
- Não muito. Tenho para voltar para casa e tomar mais um
porre.
- Arrume um novo emprego.
- Estou cheirando a cachaça. Criei esse hábito desde que
a Joana me deixou, lembra?
- Então, pare de beber. Dê uns... Sei lá... uma semana,
tome uns banhos, corte o cabelo, faça a barba, desamasse o terno e saia
distribuindo currículos.
- Isso! É isso que farei! Acho que ali na barra eu posso
conseguir algo... Tenho experiência no porto né... Bom, adeus cerveja! Vou
jogar pro santo.
- O santo que vá tomar no rabo. Não vem merecendo trago
nos últimos tempos. Passa essa merda pra cá.
- Tudo bem.
Douglas foi embora, mas antes terminou o fardo de cerveja
e as Heinekens comigo.
Sobrara um resto de cachaça artesanal, mas já estava
enjoado dela. Eram onze horas da noite. Abri a adega do meu pai, peguei um
uísque, servi uma dose, pus gelo, e entornei. Servi outra dose e acendi mais um
charuto. Era o último. Liguei a TV e coloquei em um canal onde só tocava
música. Blues para ser mais preciso. Robert Johnson uivava uma de suas
principais canções, mas eu não reconheci qual. Sentei na poltrona bege, traguei
o charuto e liberei a fumaça. Minha mãe ia me matar por causa do cheiro. Dei
outra tragada.
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