quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"O 'Cara'" - Capítulo 3

            Batidas na porta.
            - Cara, abre aí. Tá na hora. – Uma voz de homem bastante grave. Ótimo jeito de acordar.
            - Vai vê se eu to na esquina!
            - Cara, abre a porta, sou eu, Lúcia. – Agora melhorou a situação.
            - Só um minuto. Eu gosto de dormir sem calças.
            Dois minutos depois, eu abri a porta.
            - Dona Lúcia! O que a trás aos meus humildes aposentos?
            - Você se mostrou bastante instável na terça passada. Então mandaram eu vir aqui hoje, pra conversarmos em separado. Eu tentei explicar que você apresentou melhora significativa, mas...
            - Mas eu estraguei tudo e me descontrolei certo?
            - Não lembras? – me perguntou com cara de estranheza.
            - Nada, lembro duma pancada que deve ter feito esse galo aqui na minha cabeça, mas o resto...
            - Bom, tu quebrasse o nariz do Alberto e quebrasse o pulso do Júlio...
            - Quem são esses?
            - São os dois primeiros seguranças que eu chamei ontem.
            - Hehehe, eu disse que era bom chamar reforço...
            - Pois é. Por isso eu trouxe hoje o Maicon. – Apontou para o maior armário humano negro que eu já vi na vida – Foi ele que...
            - Oh, e aí, Maicon, tudo bom? – Estava estranhamente calmo, estranho... Oh, claro. – E me drogaram, por precaução, certo?
            - Foi necessário, desculpe.
            - Não precisa se desculpar. Não tenho como ficar bravo no momento. Nem se eu quiser. – Pior é que eu estou tentando mesmo.
            - Podemos prosseguir?
            - Sem problemas. – Deus, eu sorri.
            - Eu já disse que aquilo lá tinha uma maldição? Uma magia negra fortíssima?
            - Eu me lembro de você comentar. – Falou bem séria.
            - Não acreditas né?
            - Apenas continue, sim?
            - ... Sim, senhora...
            - Nesse dia eu descobri o que aconteceu. O porquê do professor José estar vivo.
            Bom, aquele bilhete que o duende macabro enviado-do-satanás escreveu, me fez zelar pela minha vida. Eu comecei a levar alguma coisa dentro da mochila para me proteger. Uma boa e velha barra de ferro.
            - Uma o que? – Ela me olhou surpresa.
            - Barra de ferro de 40 centímetros de comprimento e duas polegadas de espessura, pesando cerca de um quilo. Preta e reluzente. Foi uma grande amiga...
            - Não poderia ser mais específico... – ela comentou.
            - Obrigado. Mas voltando... Eu comecei a levar a minha amiga junto, porque aquele bilhete com certeza era uma ameaça. Eu andava muito ligado, pelo menos era o que eu achava. Na verdade eu estava muito amedrontado. Se a minha sombra se mexesse, minha adrenalina já subia a níveis astronômicos.
            Mas as coisas andavam muito quietas. Passaram-se duas semanas desde o bilhete e não notei nada de estranho, eu já estava meio acomodado, na verdade. Um dia antes desse que vou narrar agora, eu tinha até esquecido a barra de baixo da minha cama. Quando eu percebi que havia esquecido ela que eu voltei a ter noção do perigo. Eu tive muita sorte. Muita sorte mesmo.
            Fazia um mês do sumiço do Thiago. E eu inclusive fui a casa dele várias vezes e ninguém atendeu. Quando uma pessoa atendeu - que foi nesse dia que começo a narrar agora - disse que tinha comprado a casa a menos de duas semanas e não sabia quem era o tal Thiago. Bizarro.
            Eu tinha uma aula com a personificação do demônio nessa tarde, então, fui em direção ao colégio F. Chegando lá, eu vi um colega de aula chegando ao mesmo tempo. Era o Lúcio. Pra mim, era só uma pessoa que não cheirava e nem fedia.
            - Opa, indo pra aula do Humberto? – Perguntei educadamente pro guri.
            - Não, não... Com esse eu já to fodido – risadas. Eu vou no atendimento do José.
            Gelei na hora. Tá certo que pra mim ele não cheirava nem fedia, mas o cara estava indo para a morte certa, eu não podia – naquela época – ver uma pessoa caminhando para o seu funeral e ficar com a consciência tranqüila.
            - Eu to pensando em dar uma passadinha lá no José mais tarde. De repente a gente se encontra por lá. – inventei na hora.
            - Ah, pode crê! Se falamo então. – disse ele ao me dar um tapinha no ombro e sair andando.
            Fui atrás dele escondido. Teve uma hora que ele quase me viu, mas consegui me esconder me jogando atrás do prédio do bar que ficava no pátio e esfolei o joelho. Nada de mais, exceto a ardência, mas, dane-se.
            Segui-o, como segui o Thiago, até ele entrar na sala do José enquanto eu me escondia nas escadas. 10 minutos. 20 minutos. Meia hora. Tédio. Escutei passos vindos do primeiro andar em direção a escada onde eu estava. Não havia onde eu me esconder, então, resolvi agir naturalmente, como se estivesse chegando agora no segundo andar.
 Era a professora Rafaela. É uma mulher de boa aparência, para os seus quase 50 anos. Mas o que tem de boa aparência tem de arrogância e amargura. Cabelos louros, provavelmente pintados, pois a sobrancelha destoa levemente dos cabelos – são mais claras - e tem poucas rugas no rosto. Bem vestida, com uma bonita calça jeans tradicional e uma blusa abotoada na frente cor verde escuro e alguns acessórios, como relógio dourado, brincos e colar de pérolas, além de estar carregando consigo alguns livros do Machado de Assis e outros autores clássicos do Brasil.
- Boa tarde, professora. – Virei de costas fingindo só saber que era ela quem se aproximava naquele momento, com um olhar curioso.
- Boa tarde. – Daquela forma agradável que já descrevi algumas vezes.
Para disfarçar, fui indo em direção a sala do José e esperei ela entrar na dela. Assim que ela o fez, botei o ouvido na porta da sala. Conversavam sobre química ainda. Esperei mais um pouco.
Aquela merda tava demorando, então, me sentei ali, no chão mesmo.
Não sei quanto tempo depois, escuto movimento na sala, então, aquele grito de novo e nem um segundo depois, o urro de desespero da pobre vítima. Peguei a barra da minha mochila, levantei, meti o pé na porta, abrindo-a violentamente. Mas era tarde e as cinzas do Lúcio já estavam no chão.
Olhei pra cara dele com toda a ira que pude juntar naquele momento e, ele olhou de volta com uma cara de surpresa e, quando bateu o olho no que eu tinha na mão, a expressão mudou de surpresa para medo. MEDO. Foi uma sensação maravilhosa. Assim como a sensação de ouvir o som característico da barra cortando o vento e em seguida estraçalhando o maxilar do desgraçado. Com a força do golpe ele girou duas vezes, da direita para a esquerda, caindo em direção a mesa dele que estava uns quatro passos atrás dele. Na queda, ele bateu com a cara na mesa e caiu no chão atordoado.
- Que horror... – Lúcia falou com um certo nojo na voz.
- Horror é o que eles faziam conosco. Agora me deixe continuar. Estamos no clímax.
Eu olhei nos olhos dele por um tempo que pareceu uma eternidade e, sinceramente, o que eu não senti foi pena nem remorso, então, resolvi terminar o sofrimento dele. Golpeei com toda a força que pude duas vezes a cabeça dele, transformando-a num guisado. Ofegante e tremendo por causa da adrenalina, ainda dei um chute nas costelas e saí. Fui em direção às escadas e quando eu estava chegando no primeiro andar, escutei alguém correndo no andar de cima, mas o som dos passos ia diminuindo, ou seja, ia em direção a sala do José.
Resolvi voltar para ver o quem era. Pensei que só podia ser a Rafaela e... Acertei em cheio. A vi entrando na sala do José. Espreitei em direção a sala do maldito assassino, então, escutei um som baixo vindo da sala. Algo como uma reza, mais precisamente. Em seguida, a voz foi aumentando de volume até que uma gargalhada histérica, igual àquela que as bruxas fazem em desenhos para crianças, seguida de um brilho negro e um estrondo, como o de um trovão, mas seco, sem aquele prolongamento. Voltei em direção a escada e desci alguns degraus, o suficiente para continuar enxergando o corredor e, pasme, saíram da sala a Rafaela e o José. O ultimo, totalmente inteiro, como se nada tivesse acontecido.

Dedicado ao Co-autor e grande amigo Thiago Ávila Pouzada

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