Daniel estava sentado em seu escritório de contabilidade
trabalhando da mesma forma que sempre fez a mais de 15 anos. Tinha algumas
fotos em sua mesa. Olhou-as. Estava entediado. Na verdade, Daniel estava no seu
limite. Não agüentava mais aquele escritório. Na verdade não agüentava mais
nada. As fotos... Viu a foto do seu casamento com Raquel. Como eram felizes
naquela época. Se soubesse que dois anos depois ela viraria uma mulher
totalmente diferente... Não teria casado. Nunca! Como ela era feliz. Sempre sorrindo.
E o corpo? Parecia uma modelo. Magra. Com pouco peito e bunda, porém era dona
de uma beleza estonteante. Agora? Sempre de cara emburrada, sendo grosseira,
estúpida. “Ô, seu olho do cu! Não vai trabalhar não? [murmúrios]”. Que forma
deliciosa de acordar, não? Quando eram jovens? Cansou de ser acordado com um
beijo que, muitas vezes, se tornava algo mais... caliente. Estava cansado disso. Sabia que o divórcio chegaria em
breve, mas ainda amava-a. Ou acostumara-se? Não sabia. Olhou as fotos mais
recentes. Elas comprovavam o que ele refletia. Sua mulher com 20 quilos a mais,
sempre com cara de poucos amigos. O que mudara? Não sabia. Olhava-se nas fotos.
Ele também mudara. Estava infeliz. Era isso. Totalmente infeliz e, o pior,
conformado. Daniel estava infeliz com o trabalho e isso acabava refletindo em
seu dia a dia. Tentava conversar com Raquel e ela sempre mandava uma
indelicadeza e dizia que ele que devia vagabundear menos e trabalhar mais, pra
manter a cabeça ocupada.
De repente, “BLAM!”.
Daniel se assustou. Deu um pulo na cadeira. Era Marlom,
seu chefe. Com aquele sorrisinho cínico e sarcástico. Jogou um bolo de pastas
em sua mesa. “Senhor Daniel, vou precisar que o senhor faça isso no feriado,
entendeu?”. Canalha! Uma semana antes tinha avisado que iria pegar um dia a
mais de folga para o carnaval, porque o infeliz já lhe devia inúmeras! Cretino.
Daniel começou a sentir um bolo no peito. Aquilo vinha
subindo do estômago e indo direto para a boca, passando pela garganta. Daniel sentiu
que não conseguiria segurar. Em frações de segundos ele pensou “Não agüento
mais. É hoje, é hoje!”
E foi.
Daniel olhou bem nos olhos de Marlom. Respirou fundo.
Abriu a boca e disse “VÁ SE FODER, CARALHO!” e ainda mostrou o dedo médio. Nem
preciso mencionar que foi demitido. Ali, no ato. Alguns colegas o chamaram de
burro, outros o aplaudiam (com os olhos). Enfim. Voltou para casa um outro
homem. Um novo Daniel. Iria adotar a filosofia do “Vá se foder, caralho!”.
Chegou em casa, obviamente mais cedo, e deu de cara com
sua esposa. Ela, surpresa. Perguntou o que ele fazia ali.
- Falei a melhor frase da minha vida para o meu chefe e
fui demitido. – Falou com um sorriso no rosto.
- Como que tu faz uma merda dessas seu irresponsável! –
Dizia, a gorda. E continuou. – Tu não tens idéia da merda do que tu fez não é?!
E tira essa porra de sorrisinho besta da tua cara! Agora é Greve! Está
ouvindo!? Greve até tu tomares jeito nessa merda de vida! Vou ter que pedir um
aumento pra minha patroa e vou ter que procurar um novo emprego pra...
- VÁ-SE-FO-DER, caralho. – Daniel falou pausadamente, com
ênfase em todas as vogais e de forma totalmente calma e tranqüila. Raquel ficou
embasbacada com o que ouviu. Sem reação nenhuma. Daniel virou as costas e bateu
a porta do seu apartamento ao sair. Raquel Nunca mais viu Daniel em pessoa.
Uma
semana depois, passado o carnaval, Daniel criou, inclusive, um perfil em uma
rede social. Encontrou o perfil de Raquel e mandou um link com fotos suas no
carnaval de Salvador.
Um
ano depois, Daniel abriu uma loja de pesca em Ilhéus. Suas fotos no perfil
mudaram bastante. Daniel sorria. Inclusive voltaram a nascer cabelos em sua
cabeça e casara-se novamente, com uma linda moreninha de 24 anos que conhecera
no carnaval.
E a vida surpreende, sempre! Os textos, também.
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