terça-feira, 1 de novembro de 2011

"Algo que você não consegue entender" - O médico pt.1

    Chegou em casa depois de um dia desgraçado de trabalho. Eram sete da noite, mas, para a sua mente, estava mais para uma da manhã.
    Abriu a porta de casa, que com o seu movimento, arrastou um pedaço de papel branco dobrado ao meio. Entrou, arrastando-o para dentro com o pé direito. Fechou a porta e se baixou para pegá-lo.
    “Entregue”, ele leu ao abrir o bilhete. Estava escrito com letras recortadas de alguma revista.
    Sentiu uma euforia. Estava revigorado. Contente, alegre, nas nuvens, deleitado e mais qualquer outro sinônimo, perfeito ou não. Sentiu que, apesar de ter sofrido durante o seu dia de trabalho na receita federal, ele veio a valer a pena.
    Olhou para a sua casa. Não era um homem de grandes posses, apesar de ser médico. Tinha um bom emprego – era médico - mas a construção da casa e o seu estúdio nos fundos, foram responsáveis pela venda do carro, mas morava sozinho e a casa acabava por não render grande ônus. Era uma boa casa em um bairro mais afastado da cidade. Mas um bairro bom. Classe média alta. Grandes terrenos, grandes casas. A sua, no entanto, era a menor delas. Não se incomodava.
    Sala e cozinha eram divididas apenas por um balcão, dando um aspecto semelhante ao de um bar, com os altos bancos de madeira, mas com almofadas no acento. Boas almofadas. Pretas. Não tinha carpete. Nem no quarto. Gostava, mas era mais difícil de limpar, fora que a poderia acabar manchando, quando algum líquido, por exemplo, caísse em cima. Por isso usava um piso flutuante de madeira clara. Um bege meio creme... Não sabia dizer ao certo que cor era aquilo. Simplesmente achou bonito e escolheu. Tinha uma mania de limpeza e tudo deveria estar impecável. Para não se martirizar, preferiu esse “atalho”.
    A secretaria eletrônica, que estava em cima do rack, ao lado da televisão LCD de 32”, alertava para uma mensagem gravada. Apertou o botão para que ela tocasse, enquanto começava a se despir, desabotoando os primeiros botões da camisa vermelha, sua cor favorita.
    - Oi, Gabriel... - Uma voz rouca e sedutora emanava do alto falante, fazendo aquele “oi” arrastado – aqui é a Patrícia. Vamos combinar algo? Me liga, viu?! Tens o meu número? 8407-845-42. Saudades. Aquele beijo!
    Pensou “Patrícia?...”. Se deteve e pensou um pouco. Sorriu. “Ah, sim... Patrícia... Ôôôô Patrícia...”. Abriu um sorriso largo. Essa era uma loira com quem havia se deitado no fim de semana passado. Um espetáculo de mulher. Com roupa já era uma delícia. Sem então... Foi de difícil abordagem, mas assim que conseguiu, a festa foi feita, e o melhor, no apartamento DELA. Pernas longas e seios fartos e empinados. Não era silicone.
Entrou no banho e ali ficou por vinte minutos. Deixava a água morna bater com força em seus músculos doloridos de um dia cheio. Lembrou do bilhete. Abriu um grande sorriso. Desses de orelha a orelha. “Não foi mesmo um mal dia.”
    Saiu do banho, pegou umas roupas velhas no guarda roupas e vestiu-as. Fazia calor e o dia fora lindo e ensolarado. Agora, a noite trazia uma maravilhosa e confortável brisa marítima. Sentiu isso ao abrir a porta dos fundos de sua casa. Atravessou o pátio e foi até o seu estúdio. Abriu a porta e entrou.

Um comentário:

  1. arrá! vejo lapidação nesse texto... muito bem... o engraçado é que estou escrevendo uma crônica sobre "médicos"... dias desse escrevi um conto parecido com um do P Olmedo, sem me ligar disso... acho que estamos todos na mesma vibe...

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