quinta-feira, 10 de março de 2011

"Algo que você não consegue entender" - Caso Sara

           Sara fazia sua tradicional caminhada de fim de tarde em uma avenida da cidade, conhecida como canalete.
            A avenida possui uma larga calçada que divide as faixas de trânsito de sentidos contrários. A calçada, por sua vez, também é dividida por um estreito corpo d’água, cujo leito foi concretado, assim como foi feito em alguns rios famosos, como o Tietê, por exemplo.
            Para evitar quedas para dentro da água, uma mureta vazada em pequeninas pilastras, semelhantes a grade de proteção de um berço, de cor bege se faz presente.
            Ao longo da mureta, existem, também, alguns recuos, em direção a água, onde se encontram bancos de concreto, com sua base na mesma cor da mureta, porém, o assento, é marrom.
            Entre a mureta e o leito concretado, há canteiros com hortênsias violetas e vermelhas, e mais algumas outras plantas que não recordo os nomes.
            Um lugar realmente belo para se fazer atividades ao ar livre e, até mesmo – por que não? – namorar.
            Enfim, Sara corria com seus tênis brancos, com detalhes rosa próximo ao amortecedor e no “peito do pé”. Usava uma calça suplex azul modelando ainda mais as suas lisas, macias e fortes pernas e coxas de dezessete anos de idade. O bumbum não descrevo aqui, poderia ser considerado, na melhor das hipóteses, um pervertido, mas acreditem, uma calcinha “G” ali se transformava em um fio dental.
            A camiseta branca era larga e tinha uma estampa da Betty Boop. Os seios, apesar de serem de um tamanho grande o suficiente para caberem na palma de uma mão de um homem adulto, e estarem contidos por um top próprio para ginástica, teimavam em saltar. Para cima, para baixo. Esquerda-direita. Movimento suave, porém perceptível. Seus cabelos lisos e pretos estavam presos como um rabo de cavalo, que, a cada passo, acompanhava num balanço pendular que hipnotizaria instantaneamente QUALQUER ser humano heterossexual do sexo masculino – não posso dar certeza em relação as lésbicas. Sua boca carnuda movia-se, cantarolando “Ouça o que eu digo, não ouça ninguém” do “Engenheiros do Hawaii”. Seu delicado narizinho fazia as narinas dilatarem em busca de mais oxigênio para os pulmões alimentarem o corpo cansado e suado da menina. Seus embasbacadores olhos verdes estavam longe, fora daquele lugar.
            Era de manhã dentro de sua cabeça.
            Estava em sala de aula, no cursinho pré vestibular. Sara era uma prodígia. Começou a estudar um ano mais cedo do que a maioria das crianças, então, já havia se formado no ensino médio. Média 10. Sempre. Uma vez tirou 8,5. Pediu para a professora para fazer a recuperação. Tirou 10.
            Voltando ao cursinho, Sara repassava as aulas do dia na cabeça. Matemática, Biologia e Inglês. Matemática. Viam números complexos (2 + 3i = 13). Biologia, genética: “Azão-azinho” e “Bezão-bezinho”. Inglês... Sara matou. Não assistia aula de inglês. Já era formada a mais de dois anos – estudava desde pequena. Agora cursava alemão – depois que terminou inglês -, aprendeu espanhol sozinha, e arranhava um pouco de russo. Usou o tempo extra na manhã para estudar química. Química era o seu ponto fraco. Foi a tal matéria dos 8,5. Como queria muito passar em medicina, não podia arriscar.
            Foi para casa almoçar. Seus pais não estavam. Nada fora do normal. Já se acostumara. Não gostava da ausência deles, mas entendia que era um mal necessário, pois, se ela tinha tudo o que tinha, era graças a esse esforço deles.
            Pegou os apetrechos e ingredientes necessários para fazer um picadinho de carne com arroz e requentou um pouco de feijão.
            Ao terminar de comer, guardou o almoço no microondas e deixou um bilhete dizendo que tinha feito comida, guardado e onde guardara. Avisou também que ia para o hospital e, logo após, faria sua caminhada tradicional e, só então, voltaria para casa. Feito isso, arrumou suas coisas, tomou um banho e saiu.
            Meia hora depois, estava no hospital. Ala de queimados, mais precisamente. Sara fazia trabalho voluntário ali. Ajudava principalmente crianças e idosos. Lembrou da tragédia que ocorrera com a menina do ônibus que pegou fogo. Luíza, o nome. Pobre menina. Doze anos de idade e mais de 80% do corpo queimado. 70% do rosto queimado, também. Estava decidida! Iria se formar em medicina e especializar-se-ia em queimados e plástica para os mesmos. A idéia de um futuro profissional no qual ela poderia ajudar as pessoas a deixava cada vez mais motivada, decidida e, até mesmo, obcecada. Quando se deu por conta, um sorriso incontido brotou em seus lábios. Uma dupla de rapazotes, que estavam sentados em um banco próximo, viu o sorriso e tiveram vontade de se jogarem aos seus pés naquele exato momento. CATAPLOFT! “Minha Deusa!”. A venerariam ali mesmo. Mas antes de conseguirem agir de qualquer forma, a bela morena passou, como a brisa quente do mar em uma noite de verão, e eles nada fizeram a não ser observar, babar, e balbuciar uma palavra ou duas de baixo calão, mas com o sentido de elogiar Sara.
            Voltando a si, Sara viu que já escurecera. Parou de correr. Alongou-se e foi para casa.
            Sara nunca chegou em casa.
            Seu corpo foi encontrado – 2 dias depois - numa vala na estrada que faz a ligação com a cidade vizinha mais próxima. Estava nua e com inúmeras perfurações de quase 3cm de espessura por 12cm de profundidade. Hematomas, principalmente no rosto, proveniente de socos – provavelmente -, e, no pescoço, a marca de um estrangulamento feito pelas mãos do... Agressor.
            O fazendeiro que a encontrou disse à polícia, em seu depoimento, que na manhã daquele dia, por volta das cinco, os cachorros não paravam de latir e ele resolveu levantar, com arma em punho, para averiguar o que poderia ser. Sua primeira reação foi um choque, mas ao “cair a ficha” chorou. Voltou correndo para casa, chamou a polícia e rezou... Suplicou, na verdade, para que o... Agressor, pelo menos, tenha a estrangulado antes de fazer as perfurações.
            Não havia sinais de estupro.

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