Alana
estava confusa. Passaram-se duas semanas desde a descoberta das supostas cartas
falsas. Não sabia o porquê, ou, de repente, estava em negação, mas continuou a
enviar cartas para Ranzo, que continuava a respondê-las como sempre. Zhalmyr,
periodicamente, das dez horas da manhã as vinte horas da noite, aparecia na
televisão, no intervalo de sempre – a cada duas horas -, para fazer seus
pronunciamentos oficiais. Não acreditava mais no homem, entretanto tinha uma
forte ideia de “bem maior”, ou bem de todos”, ou ainda “bem da nação”, pulsando
em seu peito. As palavras de Ranzo, aliadas a esse sentimento, eram o que lhe
dava forças para ir a fábrica todos os dias.
Durante o
intervalo do almoço e depois do pronunciamento oficial do meio dia, Alana
conversava com Janice, uma colega. Leonôra estava concluindo um trabalho e ainda
não havia descido ao refeitório para almoçar. Enquanto ouvia a colega falar
saudosa sobre o marido, ocorreu-lhe de perguntar se, recentemente, ele tivesse
lhe contado algum feito por carta.
- Sim! Sim!
Ele matou um daqueles ratos asquerosos esganando-o. A munição tinha acabado
e... – Alana não prestou atenção no restante da história. Quando achava
oportuno, indagava alguma coisa como “Oh”, ou “Impressionante!”.
Durante o
trabalho, resolveu perguntar para o maior número possível de pessoas se seus
correspondentes havia lhe narrado façanhas nas últimas duas semanas. Todas as
respostas eram positivas, mas todas as histórias eram diferentes. Não
compreendia. Por que será que as de Ranzo e Thânos eram iguais? No entanto, o
único fator em comum eram que todas as pessoas tinham recebido uma narrativa dramática
mais ou menos no mesmo período, entre uma e duas semanas atrás. Outro fato é
que todas as cartas eram escritas a máquina e ninguém sabia dizer com certeza
porque era feito dessa forma. A resposta mais comum era: “Normas do exército.”.
O
expediente terminou, como tradicionalmente acontece, após o pronunciamento
oficial das seis horas da tarde do Querido Soberano. Todas as moças se dirigiam
aos vestiários e, em seguida, às suas casas.
No caminho
para casa, Alana e Leonôra seguiam juntas, como sempre.
- Vou
perguntar pro Ranzo... – Falou Alana, do nada, interrompendo a amiga, sem
prestar atenção no que ela dizia.
- Perguntar
o que? Tu estavas me escutando pelo menos?
- Perguntar
por que ele e o Thânos contaram a mesma história.
- Cuidado.
Podes não gostar da resposta... – disse em tom de advertência.
- Não
consigo evitar. Sinto que vou enlouquecer se não souber a verdade. Prefiro o
gosto amargo dela a viver nessa falsa expectativa...
- Não sei
não...
- Preferes
ficar sem saber o que aconteceu de verdade?
-... Sim...
- Ok... Não
te conto quando eu descobrir.
- Obrigada.
– Leonôra falou com a voz embargada e sentindo os olhos marejarem.
- Tchau,
Leô. Até amanhã.
- Tchau,
Lana. – Ela falou sem olhar para trás.
O papo foi
calmo, mas qualquer pessoa conseguiria, definitivamente, sentir um peso naquela
situação. Um misto de tristeza, decepção e um pouco de agonia.
Assim que
chegou em casa, Alana foi entusiasmadamente recepcionada por seu avô.
- Laninha!
Laninha! Terminei! Venha! Venha ver! – vovô pegou-a pela mão e levou a neta até
os segundo andar da casa, mais precisamente, ao escritório do avô.
- Então? O
que acha?
- Alana
olhou sem entender. A peça estava tal qual como sempre esteve.
- Vovô...
Não vejo nada de diferente... O senhor está...
-
Exatamente! Hehehe! – Disse satisfeito Seu Nikolai, quanto caminhava até uma
estante cheia de livros. Escolhei um em especial e puxou-o. Um mecanismo foi
acionado, fazendo o lado direito da estante mover-se cinco centímetros para
frente, como se fosse uma porta, revelando uma pequena área escondida no
cômodo.
- Uau, vô!
Isso ficou incrível! – Ficou realmente surpresa, apesar de considerar todo o
trabalho do avô um desperdício de tempo e esforço.
- Ficou
perfeito, não é? – Disse orgulhoso.
- Sim!
Ainda mais que eu não vejo uma sujeirinha para eu limpar.
- Hahaha
não exploraria tanto assim a minha netinha favorita.
- Ok, eu
vou fazer o jantar...
- Hehehe
Depois do
jantar, Alana foi para o seu quarto. Estava determinada a escrever a carta,
perguntando o fato misterioso para Ranzo.
- Lana!
Hora do pronunciamento do nosso Querido Soberano! – Chamou o vovô. Quando deu
por si, estava ali, assistindo a televisão. Não conseguia entender. Estava
querendo escrever a carta com tanto entusiasmo, mas foi assistir ao Soberano,
mesmo desacreditada, em segredo, pois não sabia como seria a reação das pessoas
se dissesse o que tinha descoberto.
Só depois
que o pronunciamento terminou que Alana conseguiu escrever a carta.
No outro
dia, acordou mais cedo e foi até o centro de correspondências para enviar a
carta para Ranzo. Somente depois de feito isso foi ao local de sempre, a
esquina onde sempre se encontrava e despedia de Leonôra.
Decidiu não
tocar mais naquele assunto com a amiga. Resolveu que dissimularia e voltaria
aos tipos de conversa que sempre tiveram antes de toda essa trama misteriosa
acontecer. Não sabia o que sentia sobre a amiga. Se era pena ou se era
preocupação. Sabia apenas que ela não queria saber e preferia se manter na
ignorância. Começou a pensar sobre as ações e palavras da amiga. As palavras
que usava para se direcionar aos ratos imundos de Ishtar, por exemplo, eram as
mesmas que o Soberano utilizava. Sentiu uma corrente elétrica saindo da base de
sua coluna e atingindo o cérebro. Arregalou os olhos. Ela própria fala da mesma
forma. Não só ela, mas todas as pessoas que conhece. Perguntou-se por que
odiava tanto os Ishtarianos. O que de fato algum deles fez para ela própria?
Não sabia responder.
Eis que a
amiga chega e, então, mesmo um pouco assombrada com o que acabara de revelar a
si mesma, conseguiu dissimular e seguiu a ideia de não tocar mais no maldito
assunto com a amiga.
No entanto,
não conseguiria mais deixar de pensar nisso tudo.
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