Os tiros
espocavam contra as paredes do abrigo improvisado. Encurralados e acuados como
ratos, eles cobriam as cabeças com as mãos, como se dois centímetros de um
misto de carne, ossos e tendões pudesse oferecer uma segurança a mais do que o
capacete blindado. Não falavam nada. Na verdade, caso alguém estivesse
interessado e não preocupado com a chuva de balas, que ironicamente contrastava
com a pouca munição que lhes restava, e com suas próprias cabeças, poderia
constatar que, os que moviam os lábios, rezavam. Lando via um companheiro de
batalhão, o Cimpeda, rezando. Não que esse jovem rapaz não estivesse preocupado
com o próprio couro, mas é que era justamente o Cimpeda. O Cimpeda! Ateu
declarado. Mas não podia culpá-lo... Sabia que só um milagre os tiraria dali.
Ele via que
era o soldado mais inteiro de todos os que sobraram. Pelo menos o único que
parecia estar pensando em algo. Mesmo que não relacionado com a situação.
Sempre fora assim. Na crise, Lando se mantinha sereno. Entretanto, essa calma
era um tanto artificial. Entenda: Lando jogava sua mente para fora dali.
Ele fazia-a trabalhar, para que pudesse deixar o corpo em um tipo de torpor,
não absoluto, pois se movia, comunicava-se e etc. Com efeito, era apenas uma
carcaça, pois jogara todo o seu ser num quebra-cabeças: Qual seria o calibre de
cada arma que disparava contra si e seu grupo?
Assustou-se
quando ouviu o disparo grave de um canhão. Nesse momento, sua vida passou por
diante de seus olhos. Lembrou-se da mãe, da irmã, da prima... A que tantas
delícias proibidas lhe proporcionou... Lembrou-se do irmãozinho mais novo, que,
agora, terá que tomar conta da família, já que o pai também está lutando.
Talvez já tenha partido.
Não sabia.
Há cinco
dias estava em missão, longe do acampamento, aonde correspondência nenhuma
chegava. E a três horas se via encurralado, aqui, nesse inferno.
O segundo
estouro explodiu longe. Pôde comprovar, pois via o seu corpo intacto, enquanto
se tateava. Então Cimpeda começou a gritar, depois se levantou e começou a
correr, emendando novo urro. Com a metralhadora em mãos, atirava. Atirava e
gritava. Gritava, corria e atirava. Por um instante, os tiros do lado de lá
cessaram. Pareceu uma eternidade, contudo, fora apenas um intervalo macabro de
menos de três segundos, antes de Lando ver o corpo do companheiro ser
despedaçado por...
CALIBRE
.50!!
Lando,
enfim, começou a montar o quebra-cabeças.