sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O calibre do perigo


            Os tiros espocavam contra as paredes do abrigo improvisado. Encurralados e acuados como ratos, eles cobriam as cabeças com as mãos, como se dois centímetros de um misto de carne, ossos e tendões pudesse oferecer uma segurança a mais do que o capacete blindado. Não falavam nada. Na verdade, caso alguém estivesse interessado e não preocupado com a chuva de balas, que ironicamente contrastava com a pouca munição que lhes restava, e com suas próprias cabeças, poderia constatar que, os que moviam os lábios, rezavam. Lando via um companheiro de batalhão, o Cimpeda, rezando. Não que esse jovem rapaz não estivesse preocupado com o próprio couro, mas é que era justamente o Cimpeda. O Cimpeda! Ateu declarado. Mas não podia culpá-lo... Sabia que só um milagre os tiraria dali.
            Ele via que era o soldado mais inteiro de todos os que sobraram. Pelo menos o único que parecia estar pensando em algo. Mesmo que não relacionado com a situação. Sempre fora assim. Na crise, Lando se mantinha sereno. Entretanto, essa calma era um tanto artificial. Entenda: Lando jogava sua mente para fora dali. Ele fazia-a trabalhar, para que pudesse deixar o corpo em um tipo de torpor, não absoluto, pois se movia, comunicava-se e etc. Com efeito, era apenas uma carcaça, pois jogara todo o seu ser num quebra-cabeças: Qual seria o calibre de cada arma que disparava contra si e seu grupo?
            Assustou-se quando ouviu o disparo grave de um canhão. Nesse momento, sua vida passou por diante de seus olhos. Lembrou-se da mãe, da irmã, da prima... A que tantas delícias proibidas lhe proporcionou... Lembrou-se do irmãozinho mais novo, que, agora, terá que tomar conta da família, já que o pai também está lutando. Talvez já tenha partido.
            Não sabia.
            Há cinco dias estava em missão, longe do acampamento, aonde correspondência nenhuma chegava. E a três horas se via encurralado, aqui, nesse inferno.
            O segundo estouro explodiu longe. Pôde comprovar, pois via o seu corpo intacto, enquanto se tateava. Então Cimpeda começou a gritar, depois se levantou e começou a correr, emendando novo urro. Com a metralhadora em mãos, atirava. Atirava e gritava. Gritava, corria e atirava. Por um instante, os tiros do lado de lá cessaram. Pareceu uma eternidade, contudo, fora apenas um intervalo macabro de menos de três segundos, antes de Lando ver o corpo do companheiro ser despedaçado por...
            CALIBRE .50!!
            Lando, enfim, começou a montar o quebra-cabeças.

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