Encontrava-se
em um saloon. Via, no palco, três dançarinas (duas ruivas e uma loura no
centro) fazendo uma performance bastante quente ao som de um piano bastante
animado com um pianista mais animado ainda. Era negro e vestia um terno
branco... Não! Pérola, e um chapéu da mesma cor com uma fina faixa preta ao
redor. A mão direita segurava um caneco de vidro cheio de chope, um charuto na
boca e... Bom, bizarramente o homem só tinha essa mão, tornando o som
proveniente do piano algo impossível naquelas condições, porém, de qualquer
forma, saía o som dali, e um som realmente bom, acompanhado por outro negro -
esse era cego, não lembrava como sabia disso, pois, ele cobria os olhos com
óculos escuros -, fazendo um solo com sua fender strato sunburst visivelmente muito velha (ou mal cuidada),
embalando um blues deliciosamente sensual.
Os
demais trastes presentes no saloon, párias em geral, eram desde bêbados e
viciados em jogo a assassinos e assaltantes de bancos. Os que não tinham seus
olhos grudados nas mulheres, tinham-nos grudados nas bebidas ou no poker. Texas
Holden... Alguns jogavam Black Jack também.
“Eu
já vi isso!” Pensou.
Olhou
ao redor e se enxergou em uma das mesas. Lembrou que as coisas não iam muito
bem naquela hora.
-
All in! – vangloriou-se Buffalo Head ao fazer a sua aposta. Era um sujeito que
a simples visão dava arrepios. Possuía uma cicatriz que saía debaixo do tapa
olho esquerdo e seguia até o pescoço. Usava uma jaqueta de couro preta e um
chapéu branco sujo e todo manchado. Mais precisamente: trinta e duas manchas.
Todas seguindo mais ou menos a mesma tonalidade vermelho-alaranjado. Conta-se
que cada mancha é o sangue de uma vítima diferente, algo que o desgraçado
carregava como um troféu, e também um aviso.
Mas,
Billy Cash não se intimidava com essas estórias para boi dormir. Na verdade,
tinha a opinião pessoal de que foi apenas alguma puta menstruada que usou
aquele chapéu para se limpar. Sua maior prova de que, talvez, não estivesse tão
fora da realidade é a de que ainda estava vivo, mesmo nunca tendo feito o menor
esforço para esconder essa teoria. E na pistola se garantia. Era conhecido por
ser o saque mais rápido por essas bandas. E todos os que duvidaram de SUA
lenda, já não respiram mais.
Billy
tinha conquistado uma soma interessante naquela noite. Daria para passar o mês
folgado e ainda comprar um bom presente para Mary Ann, porém, essa última mão
foi um desastre. Estava tão transtornado que Buffalo Head percebeu, por isso
pediu “All In”.
O
desgraçado, distraído, já comemorava. Billy, então, sacou a pistola e disparou
duas vezes. Uma para cada pulmão, sua marca registrada.
Deliciou-se
ao rever a cena. Mas havia algo estranho. Perguntava-se como era possível rever
aquilo. Ainda por cima, vendo a SI MESMO, como se fosse um expectador, e não
protagonista. Olhou novamente em volta. Excetuando os músicos, as mulheres –
que pararam de tocar/dançar assim que os tiros foram disparados, congelando o
ambiente numa tensão macabra e fúnebre – e o porco abatido, todas as pessoas
tinham o mesmo rosto. Ninguém reagiu. Ninguém disse nada, a não ser as meninas,
que haviam dado alguns daqueles deliciosos gritinhos que elas costumam soltar
quando se assustam. O piano "automático" seguia solando o blues. Cinco
segundos de inanição se passaram e a dupla de músicos voltou à ativa (o negro
do piano apenas retomara sua performance), as meninas a dançar sob o pesado
olhar do dono da espelunca, e os clientes a beber e jogar, enquanto Billy
recolhia os espólios da noite sob o testemunho indiferente dos demais. Alguns
estavam em posição de ação, para o caso de uma briga generalizada - o que não
aconteceu. Ninguém gostava de Bufallo Head, e ninguém iria procurar honrar a
memória de um desgraçado como aquele. Pelo menos, nenhum dos presentes.
Num
piscar de olhos se viu na casa de seus pais. Tinha oito anos e estava escondido
debaixo da janela do quarto. Alguém atirava. Lembrou-se imediatamente da
situação. Uma discussão entre o pai e os vizinhos havia custado a vida do seu velho.
Agora, ele e a mãe lutavam pelas suas. Tudo por causa do funk a toda altura que
o corno fazia questão de ouvir as nove horas da manhã de domingo.
A
mãe jogou-lhe um dos revólveres favoritos do pai, gritando as seguintes
instruções: “Aponta o quadradinho para o meio da testa do filho da puta e
esmigalha o gatilho!”. Já tinha visto o velho fazer isso. Parou. Pensou. Lembrou.
Pensou de novo. O filho da puta atirava em direção a sua mãe. Estava escondido
perto do carro, ao lado do corpo do pai. Fez mira. Respirou fundo e fez o que a
mãe ordenou. Três disparos. Silêncio mortal. Pai vingado. Paz restaurada.
-
O próximo passo é aprender a atirar bêbado, pra lá adiante não levar a pior. –
Disse a mãe abraçando-o e lhe dando um beijo carinhoso na testa enquanto as
lágrimas de ambos rolavam.
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