terça-feira, 19 de outubro de 2010

O "Cara" - Capítulo 5

            Três batidas ritimadas na porta.
            - Entre.
            - Doutora Lúcia? – Um rapaz bastante jovem, na casa dos 20 anos, falou colocando meio corpo para dentro da sala.
            - Pois não, Mauro?
            - Eu presenciei um caso estranho hoje pela manhã.
            Lúcia riu. Respirou fundo e, com um leve sarcasmo, tentando não ofender o estagiário recém chegado, falou:
            - É natural presenciarmos casos estranhos nesse estabelecimento, Mauro. – E deu um sorriso gentil para o jovem não se ofender.
            - É verdade, senhora. – Ele retribuiu, sentiu-se mais a vontade e entrou na sala. – Desculpe, me expressei mal. Bom, acredito que não seja normal, dentro dos padrões do estabelecimento, que um novo sintoma se manifeste depois de um bom tempo da entrada de um paciente que esteja sendo devidamente tratado.
            - Como assim, Mauro? – Lúcia se surpreendeu. – Seja específico, por favor.
            - Claro. – Ele sorriu e se aproximou da mesa do escritório da Doutora Lúcia. – Posso? – Perguntou apontado para uma das duas poltronas de couro preto que ficavam a frente da mesa.
            - Oh, perdoe a minha falta de atenção. Claro, sinta-se a vontade.
            - Obrigado. – Disse o jovem sentando-se. – É o seguinte, eu passei pelo dormitório do paciente 231 e ouvi ele falando sozinho.
            - 231... – Disse ela enquanto procurava o arquivo dentro de uma gaveta. – Oh, lembrei quem é...
            - Sim, ele mesmo.
            - Já conhece a fama?
            - Advertiram-me para não me aproximar.
            - Sabias palavras. – Ela se inclinou na mesa. – Mas como assim falando sozinho?
            - Ele dizia algo sobre suspeitar que o trabalho não havia terminado ainda. Imaginei que ele tivesse ouvido eu me aproximando e pensado que era algum médico ou enfermeiro, mas, então ele disse um nome. Eu sei que sou novo aqui, mas sei que não há ninguém com esse nome nessa ala.
            - Que nome, Mauro?
            - Ele conversava com alguém chamado Thiago, mas estava sozinho na cela.
            - O QUE?! – Lúcia gritou e Mauro se assustou, dando um pulo na poltrona. – Desculpe, Mauro, mas não é possível!
            - Achei estranho aquilo, então procurei informações sobre o diagnostico dele, e não constava esse sintoma.
            - Sim, não consta. Eu que fiz o diagnóstico.
            - Não duvido de sua capacidade, Doutora Lúcia, mas será que...
            - Preciso averiguar isso. – Interrompeu. Fez-se um silencio na sala, de certa forma, constrangedor, por cerca de um minuto. – Desculpa, Mauro, muito obrigado pela informação.
            - De nada.
            Lúcia pegou o telefone e discou o zero e depois 1834.
            - Segurança. – Uma voz masculina soou.
            - Aqui é a Doutora Lúcia, quero que enviem o Maicon para o dormitório do paciente 231.
            - Maicon está de folga hoje, Doutora Lúcia.
            - Como “folga hoje”? – Um tom mais enérgico lhe escapou.
            - Tivemos que dispensá-lo. O homem fervia em 39 de febre. O Amaury está a disposição, Doutora.
            - Certo... Não tenho opção. Envie-o.
            - Agora mesmo, Doutora.
            - Obrigada. – E desligou o telefone.
            Lúcia passou o tempo todo até chegar ao dormitório do Cara pensando no que acabara de ouvir. Será que não detectou um sintoma? Um sintoma tão fácil de detectar! Deve haver uma explicação lógica para isso.
            Assim que chegou perto do dormitório, Amaury, vinha andando as pressas no fim do corredor. Amaury é afro e tem o cabelo raspado. É pouco menor que o Maicon, mas daria conta do recado, imaginou.
            - Boa tarde, Doutora Lúcia. – Disse o segurança.
            - Boa tarde. – Ela sorriu e ele retribuiu.
            - Com licença. – Ele disse pegando o molho de chaves e procurando a correta. Encontrou. Aproximou-se da porta e bateu três vezes de forma nada gentil.
            - Cara, levante-se e ponha as duas mãos em cima da mesinha ao lado da cama. Doutora Lúcia e eu vamos entrar. Não tente nenhuma gracinha.
            - Sem problemas!  - Ele respondeu.
            Amaury contou cinco segundos mentalmente e abriu a porta. Olhou para dentro e lá estava o sujeito com as mãos na mesa.
            - Ué, o que aconteceu com o outro armário simpático?
            - Folga. – Disse a doutora.
            - Mas é uma pena... E o que trás a sua adorável presença no meu humilde aposento, doutora?
            - Quem é Thiago, Cara?
            - Ãhm? Ah, o Thiago, já contei. É meu amigo que foi morto pelo José, esqueceu?
            Lúcia se aproximou.
            - Um estagiário te ouviu conversando aqui com o Thiago.
            - É muito chato ficar aqui sozinho sem fazer nada, então, eu me distraio como se estivesse conversando com alguém, doutora.
            - Qual o nome completo dele?
            - Qual a importância?
            - Qual é o nome completo dele, Cara?
            - Thiago Ávila Pouzada.
            - Obrigada.
            - O que vai fazer? Procurar pra ver se existe? Acha que estou louco?
            Lúcia olhou nos seus olhos e ele então percebeu.
            - Claro. Claro que acha. Não acreditas em uma maldita palavra do que eu disse até agora.
            - Me desculpa, Cara, mas muitos aqui me perguntam a mesma coisa e até hoje 100% estavam.
            - Eu sou é louco por você, Lúcia.
            Foi um baque. Ela não esperava por isso.
            - Não seja ridículo, Cara.
            - Falo tão sério como sempre falei. – E se aproximou da mulher.
            - Hey! Para trás! – Amaury encostou a ponta do cacetete e empurrou o cara, sem desencostar a arma do peito dele. O movimento brusco fez o molho de chaves balançar fazendo o barulho característico.
            - Isso é arriscado. – Cara apontou para as chaves presas ao cinto do segurança. Amaury olhou, então, aproveitando o segundo de desatenção, Cara, girou o torso para a direita, se desvencilhando do cacetete, e pegando o mesmo com a mão esquerda. Com a direita, desferiu um soco potente com as costas da mão no nariz do segurança, que recuou soltando o cacetete. Lúcia se sobressaltou e não sabia o que fazer, quando pensou em gritar, Cara acertou com o cabo do cacetete no diafragma da mulher, que, perdendo as forças, foi caindo ao chão. Amaury foi em direção a ele na intenção de agarrar suas pernas e derrubá-lo. Cara se esquivou e na hora que o segurança se abaixou, Cara desferiu um forte golpe na nuca do homem, jogando-o desacordado no chão. Olhou para o Lado e Lúcia estava caída sentada no canto sudeste da sala. Ofegante e sem forças nem para gritar, devido a pancada no diafragma, Cara se aproximou.
            - Desculpe, meu bem, mas isso foi necessário.
            Lúcia tentava respirar mas o ar não vinha aos pulmões.
            - E isso, é só para garantir, mas me desculpe, novamente. – Então, ele deu uma pancada na nuca. Fez com cuidado para não causar nenhuma lesão, apenas para desmaiá-la. Colocou-a na cama e beijou seus lábios, foi em direção a porta e colocou o rosto para fora, na intenção de descobrir se algum segurança estava por perto. Por sorte, nenhum a vista. Pegou as chaves do cinto do Amaury, fechou a porta rapidamente e trancou-a.

            Alisson caminhava rabiscando uma ficha de uma ninfomaníaca esquizofrênica que acabara de atender. Tentava se concentrar, mas era difícil depois de tudo que a ruiva doida – gostosa e sedutora, porém doida – havia lhe dito. Chegava a se arrepiar só de pensar em tudo o que ela havia lhe proposto. Estava tão fora de si que nem percebeu o que havia lhe atingindo, fazendo seus óculos voarem uns três metros apara trás, divididos em 6 pedaços. Escutou somente um “crack” em seu nariz, assim que dobrou a direita em um corredor. Logo em seguida tudo ficou escuro.

            Por sorte, o jaleco do médico estava aberto e não manchou de sangue. Cara tirou o traje do homem e vestiu. Era pequeno, mas serviria. Olhou em volta e não viu nenhum segurança. Ainda. Pois vi que havia uma câmera vigiando-o. Precisava pensar rápido. Levantou com rapidez e as chaves em seu bolso pesaram. Teve uma idéia. Catou as chaves do bolso. Identificadas. Sorriu. Era hoje que sairia dali. Olhou em volta. Quatro portas. 251, 252, 253 e 254. Buscou rapidamente as chaves e abriu as portas. Quatro pessoas saíram. Uma de cada dormitório.
            - LIBERDADE! – Gritou, e os quatro gritaram juntos e saíram correndo um para cada lado.
            A sua volta havia outras quatro portas. Pegou as chaves e abriu-as. Pouco depois, dois seguranças corriam em sua direção, vindos do corredor a norte. Examinou-os. Magros, comparados com Maicon e Amaury. Sorriu e correu em direção a eles. Arremessou o cacetete no da esquerda, acertando em cheio na sua cara. O outro pulou em direção a sua cintura e ele pulou sobre o segurança, fazendo-o passar por baixo. Deu uma cambalhota, assim que ia tocar o chão,  pegou o cacetete e correu. Mais dois corredores e estaria livre. Olhou para trás, o segurança corria em sua direção. Dobrou a direita olhando para as portas, viu a seqüência 32 nos números. Diminuiu o passo enquanto procurava alguma chave. Encontrou a do 327 e abriu-a. Fez o mesmo com 328, 329 e 330. Continuou gritando “Liberdade”, para atiçar os recém libertos, enquanto corria para a sua liberdade. Dobrou a esquerda no próximo corredor. Havia um médico e outros dois seguranças, porém, estavam longe. Sorte. Abriu outras duas portas e os seguranças correram em sua direção. Viu que o médico carregava uma seringa. Abriu outra porta e mais um paciente estava liberto. Esse paciente, ao contrário dos demais, que corriam em direção oposta aos seguranças, correu de encontro a eles, enquanto gritava “RUGBY!”. Pulou para cima do segurança que ficava a direita. Cara riu da situação, e foi em direção ao da esquerda. Tentou a mesma estratégia e arremessou o cacetete. O homem desviou e pulou em sua cintura, derrubando-o. Irritado, começou a golpear o rosto do segurança com fortes socos. Ele cedeu um pouco, então conseguiu levantar. O médico quase gravou a seringa em seu braço. Por reflexo, Cara segurou o pulso do médico e torceu-o, fazendo um estralo característico de ossos quebrando. Grito e seringa ao chão. Cara pegou a seringa e colocou no bolso do peito do jaleco. Pegou a cacetete e correu em direção ao fim do corredor, que dobrava para a esquerda.
            Finalmente a porta dupla com o vidro blindado. Saída. Correu. Chegou perto da porta e viu o saguão da entrada com quatro seguranças. Um deles muito grande por sinal. Destrancou a porta e, assim que o fez, os seguranças já voaram em sua direção. Com o cacetete, o primeiro que passou, um loiro baixo, foi golpeado na orelha. Cambaleou e caiu próximo da janela a direita do corredor. Em seguida, um rapaz com cara de índio seguido de um careca e um afro passaram pela porta. Cara correu o mais rápido que pôde para trás, então, virou-se e parou. Os homens correram atrás dele, mas não conseguiram acompanhar. O primeiro que chegou perto foi o careca, que pulou numa voadora. Cara esquivou para o lado e acertou com o cacetete a boca do sujeito. Com a força que o homem vinha, ele não conseguiu segurar a arma fazendo-o soltá-la. O índio veio em seguida. Cara esquivou, fazendo com que o homem ficasse com o tronco às suas costas, então, com o cotovelo esquerdo, acertou-lhe o nariz. Quando Cara virou para pegar o afro, era tarde e ele havia o derrubado já. O afro era muito forte e estava conseguindo vencer a disputa de forçar. Cara não o deixara golpear o rosto, segurando suas duas mãos. O homem conseguiu soltar uma e passou a apertar o pescoço do fugitivo. Cara então foi com a mão livre até o bolso do jaleco e cravou a seringa onde conseguiu. Não viu. Apenas cravou e apertou. Três segundos depois, as forças do homem se esvaeceram e ele tombou. Cara saiu de baixo e correu. Correu como a muito tempo não corria. Correu para a liberdade e para resolver assuntos inacabados.

Dedicado ao co-autor e grande amigo, Thiago Ávila Pouzada

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