Jack havia chegado em casa depois de
um longo dia no trabalho. Era tarde da noite. Os filhos, Brenda e J.J. já estavam
dormindo. Largou a pasta em cima do console, que fica ao lado da porta de
entrada, e o sobretudo no cabideiro. Era início de abril, o que significa que a
primavera estava recém começando em Seattle, não que isso queira dizer muita
coisa, afinal, temperaturas baixas são constantes, mas nada que o sistema de
calefação da casa não pudesse resolver. Jack largou as chaves também em cima do
console e começou a subir as escadas, tentando fazer com que os passos exaustos
e pesados não acordassem as crianças.
Chegando ao segundo andar, notou que
a porta do seu quarto estava aberta e que o inconfundível brilho de uma TV
acesa num ambiente escuro pulsava. Com calma foi até lá e encontrou a esposa –
Mônica – adormecida sobre a cama. Chegou ao batente da porta, escorou-se e
amaldiçoou-se pela falta de sorte. A bela morena, que manteve o corpo esbelto e
sensual, mesmo após duas gravidezes, esperava por seu marido, vestindo uma
lingerie nova. Era uma baby doll branca de seda e a calcinha, também branca, de
rendinha. Ela até estava usando uma gargantilha preta, o acessório favorito de
Jack. Tudo indicava que a noite seria daquelas para serem lembradas...
Frustrado, tomou seu banho, amaldiçoou o merda do cantorzinho que teve que
matar, e teve que contentar-se em dormir de conchinha com a esposa.
No dia seguinte, Jack aguardava
Frank no lugar combinado: um café defronte a estátua de Jimi Hendrix, mas na
calçada oposta. O lugar estava movimentado, como sempre, e Jack estava ficando
sem paciência com o atraso do contratante.
- Fez um belo trabalho, heim, Jack.
– Frank largou o jornal do dia com a manchete principal “Astro do Rock é
encontrado morto na própria casa” em cima da mesa. Jack consultou o relógio e
não fez questão de olhar para o homem.
- Está atrasado.
- E daí? O interesse é todo seu, meu
camarada.
- Trouxe a grana? – ignorou o
comentário do sujeito baixo, gordo e com uma careca bem no topo da cabeça,
rodeada por ralos fios loiros, que trajava uma jaqueta azul marinho.
- E alguma vez eu esqueci?
- Por que demorou?
- Está brincando, certo? – Frank se
sentou, tateou os bolsos atrás do maço de cigarros e do isqueiro, acendeu, deu
uma baforada para o alto, se inclinou e baixou o tom de voz, enquanto Jack
sorvia um gole de café. – Você acaba de matar o maior astro rock da atualidade,
febre mundial dos últimos cinco anos e não quer que eu não pegue um
congestionamento de trânsito devido a manifestos de luto protagonizados pelo
seu bando de fãs retardados?
- Eu não peguei engarrafamento
nenhum.
- Ah, não me amola, Jack. Como eu
disse, o interesse é todo seu. Você é quem tem que esperar eu chegar com a
grana, que não é pouca, diga-se de passagem.
- Escuta aqui, seu gordo careca de
merda, ontem eu perdi o que foi, provavelmente, uma das melhores fodas que eu
daria com a minha esposa por causa desse polaquinho de merda que vocês quiseram
enterrar. – Frank começou a rir.
- Calma, Jack. Calma... Não desconte
em mim... Eu sou o cara das boas notícias, lembra? Eu te dou o recado e te
recompenso pelo seu belo trabalho. Olha, o cara que tinha que morrer... A culpa
é dele que você não comeu a sua mulher e... Veja bem, você já se vingou dele
antecipadamente, e eu estou te pagando por isso. – Jack não pôde deixar de
concordar com o homem, inclusive amoleceu a expressão do seu rosto. – Isso,
agora está melhor... – emendou ao ver a expressão se afrouxar - Olha, vou
deixar ainda melhor. Escolhe o que quiseres pra comer. Nós pagamos. Fica por
conta da Fonográfica. Que tal?
- Certo, Frank... Tudo bem... Mas,
eu não entendo, cara... Se o sujeito era tão bom, porque vocês decidiram
matá-lo? Agora ele, obviamente, não vai mais poder fazer nada novo, entende?
- Olha, eu não devia te contar isso,
cara, porém, nos conhecemos já faz dez anos... Não vejo problemas... Enfim,
vamos lá: a verdade é que, não nos interessa.
- Como assim?
- Jack, não somos nós quem decide
quem morre. Nós somos que nem você, meu camarada. Nós somos apenas o fragmento
que age. Quem decide são os próprios donos desses sujeitos.
- Não estou entendo. – Uma garçonete
se aproximava, os homens trocaram o assunto por outro cheio de trivialidades para
disfarçar. A menina, loira, dezesseis anos, usando uma camiseta preta com o
rosto do cantor assassinado, estava visivelmente abatida e perguntou o que
ambos iriam comer. Jack pediu um sanduíche de carne e Frank apenas um café bem
forte. Ambos tiveram que repetir, porque ela não parecia prestar atenção. Só
quando tiveram certeza de que ela não poderia ouvi-los, retomaram a conversa.
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