Estava escuro. Muito escuro. Luana
havia se perdido naquela floresta. Escuridão total. Olhava para o céu. Não
havia estrelas. Não havia Lua. Apenas o negro, o vazio, a imensidão do nada.
Olhava para frente. Nada. Olhava para o chão. Nem os pés enxergava. Sabia que
eles estavam ali, todavia. Sabia disso porque doíam. Perdera a noção do quanto
andou por lá. Curiosamente não conseguia lembrar quando se perdeu, e nem como
se perdeu. Recordava de estar ali, perdida. Entretanto, não era amnésia.
Lembrava do seu nome, da sua idade, de como era quando tinha dez anos, quatorze
anos, dezesseis e dezoito anos, de suas alegrias, sonhos, desejos... Enfim,
tinha plena ciência de suas memórias.
No entanto, não sabia onde estava ou
para onde ia. Esbarrou em uma árvore. Levou as mãos ao rosto, tateando-o para
se certificar de que tudo estava onde deveria estar. Sentou-se. Continuava com
as mãos no rosto. Começou a chorar. Soluçava a pobre alma. Desespero e exaustão
vertiam por aqueles lindos olhos castanhos, acompanhando as lágrimas.
Após um tempo que não conseguia
precisar, acalmou-se. O choro aliviara um pouco a alma. Concentrou-se para
tentar acostumar os sentidos à escuridão. Percebeu que o lugar era mais macabro
do que pensara. Tinha certeza de que se tratava de uma floresta – ou bosque -,
pois lembrava de adentrá-la, daquela entrada macabra, onde as árvores formavam
uma espécie de passagem, levando a um corredor sombrio, que a cada passo
escurecia. Logo em seguida tentou fazer o caminho inverso, porém, não encontrou
mais a saída. Tendo essa certeza de que se encontrava em uma espécie de bosque,
não conseguia escutar os sons da fauna. Na verdade os únicos sons que conseguia
ouvir eram o do vento agitando as árvores, e os seus passos. Percebeu, assim
que inspirou com força, que, gradualmente, seus sentidos estavam lhe falhando.
O cheiro forte e penetrante do capim e da terra, agora não passavam de leves
fragrâncias sentidas a uma distância considerável. Não sentia mais o contato de
suas mãos em seu rosto. Sua boca, agora, era como um grande buraco recheado de
nada. Nem a saliva sentia. Tocou sua língua. Ou, pelo menos, pensava ter feito
isso. Nada. Silêncio. Silêncio... Silêncio... Não lembrava de jamais ter
testemunhado tamanha ausência de ruídos, então, gritou a plenos pulmões. Ou
pelo menos fez os movimentos... Ou não. Simplesmente não sabia se havia obtido
êxito. Não sabia mais se estava sentada, se estava deitada ou de pé. O que lhe
confirmava que ainda existia era sua capacidade de pensar. Tinha consciência.
Tinha medo, pavor, desespero... Lembrou-se novamente de seus sonhos, de seus
desejos... De suas ânsias...
Mais uma vez perdeu a noção do
tempo. Com o que restou de sua existência, ordenou que suas pernas se movessem.
Ainda não sabia se a ação tornou-se concreta ou se era apenas uma mera
abstração de um sopro de ser. Talvez sim, talvez não. Não esbarrou em nada,
pelo menos. Será?
Acreditava que andava. Já sem
esperanças, as mágoas, arrependimentos... Tudo o que havia deixado de fazer, o
que fez e jamais queria ter feito, passavam em sua mente como um filme. Pedia
perdão, mas não obtia resposta. Suplicava. Ainda sem resposta.
Inimagináveis e imensuráveis momentos
depois decidiu que “tanto fazia”. Havia fugido durante toda a vida daquilo tudo
e, quando chegou ao ponto de implorar o perdão divino, ficara sem uma maldita
resposta. Relembrou outra vez seus sonhos e seus desejos. Agarrou-se
ferrenhamente a eles. Sentiu que algo mudava dentro de si e ao seu redor.
Continuava sem enxergar nada, mas o
som... Os sons, melhor dizendo, voltavam lentamente. Sentiu um leve cheiro de
terra molhada. Em seguida, o do capim. Dormência. O corpo todo estava dormente
agora, formigava.
Passos. Escutou passos. De todos as
direções. Inclusive acima e abaixo de si.
Ao seu redor, uma luz começou a
brilhar. Conseguia enxergar parcamente o que havia a sua frente. Apenas borrões
que, aos poucos, tornavam-se nítidos. Visualizou uma silhueta a sua frente. Ela
projetava uma sombra enorme no chão. A imagem dele e de tudo o que ele
representa para si se formava em sua mente. Rápida e surrealmente a distância
entre ele e ela aumentou, tornando-o apenas uma mancha em uma clareira ao
longe.
Luana começou a correr. Corria
desesperadamente. Finalmente achou o caminho. Agora era um belo dia e, à medida
que avançava, a floresta ia ficando para trás, o céu azul se tornava
perceptível acima da copa das árvores. Todos os sons da fauna que aquele bosque
podia conter também passaram a serem pronunciados, acompanhando o desesperador
ruído do vento e dos passos.
Via ele ao longe. Por mais rápido
que corresse, a aproximação era lenta. Beirando a exaustão, lembrou-se outra
vez de seus sonhos e de seus desejos, principalmente do último: o de estar ao
lado dele. Encontrou as energias necessárias e se pôs novamente a correr.
- Finalmente! Finalmente te
alcancei! – Disse a garota exausta ao chegar perto do rapaz. Exausta e
eufórica.
- Que pena que chegasse só agora...
– Ele respondeu.
- Como assim? – Indaga sem entender
o que se passava.
- É que eu preciso subir aquela
colina agora. – E disparou a toda velocidade.
Luana ficou ali. Parada. Sentindo as
pernas tremerem. E sem olhar para trás, ele a abandonou, levando consigo todos
os sonhos, desejos e memórias.
*Baseado em "Montreal - Passos Perdidos"
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