sábado, 17 de agosto de 2013

O Autoflagelo de Quintos

            Estava tudo calmo no centro de comando quando, de repente, o alarme dispara. O caos toma conta. Soldados com seus uniformes brancos correm de um lado para o outro, profissionais altamente especializados no maquinário tomam seus lugares, e o general sai de dentro de sua sala, com um copo com uma dose de whisky vagabundo (com gelo) na mão direita e um charuto na esquerda.
            - Capitão Ribons! Situação? – Grita o arrogante general.
            - Senhor, a fricção externa está causando um aumento da pressão e a temperatura está aumentando gradualmente. Ainda é estágio inicial.
            - E os novos recrutas?
            - Estão se preparando para a missão.
            - E o canhão?
            - Já está sendo erguido. Neste exato momento em que falamos, um destacamento está se encarregando da preparação para o disparo.
            - Muito bem, capitão. Não me decepcione. Já erramos o alvo incontáveis vezes somente nessa semana. E o nosso retrospecto geral não é nada bom também.
            Nesse momento, o tenente Baahls se aproxima e interrompe a conversa.
            - Senhor – bateu continência – temperatura e pressão estão se aproximando dos níveis críticos. Canhão preparado e pronto para disparar.
            - E os recrutas? – Perguntou o general, sem muita paciência.
            - Ainda não estão prontos – rebateu de forma cordial.

            Nesse momento, recruta Zé conversava com um companheiro de batalhão. Estava excitado, muito ansioso e confiante.
            - Dessa vez vamos conseguir. Tenho certeza que o nosso pelotão vai dar glória a essa unidade.
            - Como pode ter tanta certeza? Até hoje essa unidade nunca acertou o alvo. Pra falar a verdade, eu nem sei o que estou fazendo aqui.
            - O general já traçou o plano, você estudou ele?
            - General... Enquanto o supremo comando não se der conta que só erramos por causa deles mesmo... Não há general que consiga traçar um bom plano.
            - O que quer dizer?
            - Quero dizer que, provavelmente, é mais uma missão suicida.
            - Como pode ter tanta certeza?
            - Antes de vir para esse regimento, já vi vários contando glórias de que seriam os primeiros a acertar o alvo, mas nunca chegaram nem perto. Não pode ser culpa de cada um de nós recrutas e...
            O general invade a sala e começa a berrar ordens.
            - Vamos, seus vermes incompetentes! Estamos prestes a disparar e não tem metade de vocês na estação de lançamento! Seus imprestáveis! – Assim, os recrutas, em total caos, correm para as saídas em direção a estação de lançamento. Zé segue a conversa com o colega.
            - Decorou o mapa? – Perguntou.
            - Nem me dei o trabalho.
            - Nossa, cara, nossa missão é de extrema importância... Devias te orgulhar... Olha aqui, eu fiz uma cópia para mim, apesar de ter decorado já, queres?
            - Tanto faz... – O colega pegou o mapa e o guardou no bolso do uniforme.
            Na estação de lançamento, o capitão Ribons, utilizando-se de um megafone, passava as últimas instruções, dividindo os recrutas em pelotões. Zé e o amigo ficaram no segundo grupo.
            - O canhão não suporta que todos vocês sejam lançados ao mesmo tempo, assim, pelas nossas contas, serão necessários três disparos para enviá-los ao território. Por uma maior chance de sucesso, os dois primeiros disparos terão a capacidade máxima permitida, o último grupo estará mais desfalcado, mas não será problema, uma vez que os dois primeiros grupos já deixarão o caminho mais limpo e também recursos extras. Se necessário, utilizem-nos. Uma boa sorte a todos e honrem o uniforme que vocês vestem! – Assim, um grande grito de “URRAAA!” ecoou pela estação de lançamento.
            - Capitão, pressão está em noventa e nove por cento. É agora. – Um sargento informou Ribons.
            - Aos seus postos! Aos seus postos! – Berrou no megafone, depois virou para o tenente Baahls e avisou-o, dessa vez sem o uso do megafone – Ao meu sinal... – Olhou para o General que aguardava observando os níveis de pressão em uma espécie de barômetro analógico. Cinco segundos depois, o general fez o sinal, e o capitão deu a ordem.
            O primeiro pelotão foi lançado pelo canhão e, menos de um segundo depois, o pelotão do recruta Zé é projetado.
            Zé recordava o mapa e todas as instruções e do treinamento de esquiva dos produtos químicos. Estava confiante. Foi despertado de suas memórias quando uma enorme força o fez voar pelo canhão. Feliz, ele se preparou para a aterrissagem... Quando saiu pelo canhão, observou que o ambiente encontrado não era o esperado. Estava voando pelos ares, em direção a um oceano infinito. Assustado e sem saber como reagir, acabou se chocando contra a água. O desespero dos pelotões era evidente. Não tinham sido treinados para isso. Não se alistaram para isso. Alguns pediam por suas mães. Outros se afogavam. O caos. O terceiro batalhão chegou e tiveram a mesma surpresa e a mesma sina. Zé lutava para se manter flutuando.

            De repente um barulho infernal, como o de mil bombas estourando ao mesmo tempo e, em seguida, um redemoinho colossal começou engolir a tudo e a todos. Os homens gritavam. Milhares. Não. Milhões de jovens soldados foram arremessados para morrer por causa de uma falha no plano do Supremo Comando. O nível da água começou a baixar a uma velocidade impressionante. Zé, em seus últimos suspiros de vida avistou uma caverna, para onde toda a água estava sendo levada e, em seguida, tudo escureceu.

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