O que você
pensaria da sua
vida
caso fosse
assassinado
hoje
?
sábado, 21 de dezembro de 2013
domingo, 1 de dezembro de 2013
quinta-feira, 28 de novembro de 2013
máquina social
A locomotiva come os trilhos em alta velocidade
O maquinista está de braços cruzados
fumando seu charuto cubano
dose de whisky
sem gelo
na mão
Negros fortes como touros alimentam a fornalha
Sob o açoite do capataz
por vezes arremessando partes de seus corpos
confundindo com o carvão
Brancos pulem e lubrificam as engrenagens
Elas estão debaixo dos seus bancos
de passageiros
deixam o dinheiro de lado
e só enxergam os mecanismos
Em frente há uma curva fechada
uma índia está amarrada aos trilhos
religiosos de todos os credos
fazem suas preces em uníssono
A mulher se debate chora suplica sangra
O maquinista sorri e dá o sinal
E a locomotiva acelera
O maquinista está de braços cruzados
fumando seu charuto cubano
dose de whisky
sem gelo
na mão
Negros fortes como touros alimentam a fornalha
Sob o açoite do capataz
por vezes arremessando partes de seus corpos
confundindo com o carvão
Brancos pulem e lubrificam as engrenagens
Elas estão debaixo dos seus bancos
de passageiros
deixam o dinheiro de lado
e só enxergam os mecanismos
Em frente há uma curva fechada
uma índia está amarrada aos trilhos
religiosos de todos os credos
fazem suas preces em uníssono
A mulher se debate chora suplica sangra
O maquinista sorri e dá o sinal
E a locomotiva acelera
sábado, 16 de novembro de 2013
Ventos da Rotina
Queria estar fora dali
mantinha os olhos abertos
sonhando com uma bebida em sua mão
e uma mulher enroscada em suas pernas
Enquanto o vento soprava com força
arremessando-lhe partículas de areia na cara
formando dunas sobre seu ego
carregando a química industrial
direto para seus sonhos
Diziam-lhe que deveria viajar
Diziam-lhe que deveria ver o mundo
A natureza e todas as suas cores...
...
O que predominava era o cinza e o bege
...
E o espetáculo da natureza que tinha para assistir
eram dois cães transando
Pareciam ser machos
terça-feira, 12 de novembro de 2013
Chuva
Naquele dia não chovia
O sol estava encoberto
As nuvens carregadas
Os raios riscavam os céus
E os trovões compunham a sinfonia
Naquele dia o céu não chorava
Os pássaros piavam e grasnavam
protegidos em seus ninhos
tomando conta de seus filhotes
Naquele dia não pingava
A vida derramava pela ampulheta
e escorria pelo ralo da sarjeta
Entupindo-o de lama e sujeira
Naquele dia não chovia
Naquele dia não pingava
Nem o céu chorava
Naquele dia Ele mijava
sobre nossas cabeças
O sol estava encoberto
As nuvens carregadas
Os raios riscavam os céus
E os trovões compunham a sinfonia
Naquele dia o céu não chorava
Os pássaros piavam e grasnavam
protegidos em seus ninhos
tomando conta de seus filhotes
Naquele dia não pingava
A vida derramava pela ampulheta
e escorria pelo ralo da sarjeta
Entupindo-o de lama e sujeira
Naquele dia não chovia
Naquele dia não pingava
Nem o céu chorava
Naquele dia Ele mijava
sobre nossas cabeças
sábado, 2 de novembro de 2013
As janelas berram
As janelas são amplas
e o inquilino é mórbido
As janelas berram
guturais que lhes sobem do fundo do estômago
Quebram os
vidros racham as paredes
E ninguém ouve
E ninguém escuta
A porta está trancada
fechada para dedetização
As janelas berram
Mas o inquilino está morto
quarta-feira, 30 de outubro de 2013
Traído
Os meus olhos me traíram
e eu caí nessa imensidão
Doce mel do polem
profundo espinho da rosa
Uma fortaleza me cercava
feita de areia da praia
fora destruída pelas ondas
dos teus beijos
da tua carne
da tua'lma
Juro que recolhi a ponte
que arremessei os crocodilos ao foço
e enquanto escalavas as muralhas
com escadas improvisadas
eu despejava o óleo fervente
Os teus olhos me invadiram
Os meus olhos me traíram
Doce Armadilha
Doce paixão
e eu caí nessa imensidão
Doce mel do polem
profundo espinho da rosa
Uma fortaleza me cercava
feita de areia da praia
fora destruída pelas ondas
dos teus beijos
da tua carne
da tua'lma
Juro que recolhi a ponte
que arremessei os crocodilos ao foço
e enquanto escalavas as muralhas
com escadas improvisadas
eu despejava o óleo fervente
Os teus olhos me invadiram
Os meus olhos me traíram
Doce Armadilha
Doce paixão
quarta-feira, 23 de outubro de 2013
Parábola
De que me adianta o olhar expressivo
Se ele se comunica por parábola?
E a língua adormece
com a boca congelada
sexta-feira, 18 de outubro de 2013
O Suplício da Insegurança
A insegurança assola as almas perdidas
e danifica a mente que perde a vida
O coração que bate acelerado
lançando cubos de gelo
no sangue amedrontado
O calor se esvai por feridas na alma
gela o corpo
derrete o ser
E o que resta é a carcaça esfarrapada e maltrapilha
que anseia pelo dia de amanhã
E as palavras mudas que retumbam em sua cabeça
escorrem pelo ralo de
seu âmago
despejando-se n'ontem
Suplicando pelos rumos
de todo o instante
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Chainsaw Gore Tenebris
A
motosserra rugia no galpão de madeira empoeirado. O cheiro de diesel queimado e
expelido do motor exalava trazendo não apenas uma marcha macabra -
róóóón-tan-tan-tan-tan-tan - mas o perfume do terror. Carla tapou a boca com as
duas mãos. Estava escondida atrás de um tonel de latão enferrujado. A
iluminação do recinto era o luar que invadia por entre as venezianas e os
espaços presentes entre as tábuas, que davam forma as paredes do galpão. A
poeira que voava devido ao vento era iluminada pelo luar e girava e caía e
subia, dançando com a sinfonia da motosserra. Ritmo compassado, marcado.
"Róóóón-tan-tan-tan-tan-tan". O lunático com a serra caminhava
lentamente a passos curtos e pesados, deixando grandes pegadas no chão
empoeirado e, assim, trazendo novas partículas dançarinas ao espetáculo
flutuante.
Carla
ouviu o demente se distanciar em direção aos fundos do galpão. Era a sua deixa.
Rezava. Pedia forças. Comandava as pernas, porém, elas teimavam em apenas
tremer e manterem-se atarraxadas e soldadas ao chão. Respirou fundo, mas, com
todo o cuidado do mundo, para que o desgraçado não fosse capaz de ouvi-la.
Enfim,
quando os sons dos passos cessaram, deixando apenas o rugido da motosserra, a
mulher conseguiu reunir forças e se levantou. Pôde ouvir o maníaco girar sobre
o próprio eixo, mas já não importava mais. Não era mais o momento de hesitar.
Correu! Correu como nunca correra antes em sua curta vida. Sentia medo como
nunca antes sentira na sua curta vida. Vinte anos, não encontrara o príncipe
encantado ainda, no entanto, sabia muito bem que os sapos estavam por toda a
parte; Lutava pela vida como nunca antes o fizera. E aqueles malditos quatro
metros até a porta do galpão pareciam quatro quilômetros. Os dois segundos de
toda essa ação, pareciam duas horas.
Foi
então que Carla sentiu o metal aquecido pelo motor sendo enterrado em suas
costas, acompanhado de um baque muito forte que a jogou no chão. Carla berrava
de dor e desespero. O filho da puta havia arremessado aquela maldita motosserra
em suas costas, que sentia a omoplata sendo destroçada junto com os músculos,
tendões e cartilagens. A serra não parava de girar e cortava como faca na
manteiga. O sangue escorria quente, a mulher urrava e o assassino caminhava
lentamente em sua direção.
sábado, 5 de outubro de 2013
As formas e linhas da vida
Transcreva as formas e linhas da vida e torne-se um poeta
Admire-se com o belo e com o nunca visto antes
Se apaixone e diga a todos o quanto isso tudo vale a pena
sinuosamente
Decepcione-se, pois nada passa de filosofia de boteco
Profetizadas por quem nunca sentiu a ardência no estômago
por quem nunca esteve na beira do abismo da insanidade
Os verdadeiros dementes
Tomadas como verdades absolutas
e disseminadas como vírus
Exile-se e derreta o seu cérebro com a chama mais fulgurosa
com o líquido mais ácido
Tenha rancor
guarde mágoas
Transcreva as formas e linhas da vida e
finalmente
torne-se um poeta
Admire-se com o belo e com o nunca visto antes
Se apaixone e diga a todos o quanto isso tudo vale a pena
sinuosamente
Decepcione-se, pois nada passa de filosofia de boteco
Profetizadas por quem nunca sentiu a ardência no estômago
por quem nunca esteve na beira do abismo da insanidade
Os verdadeiros dementes
Tomadas como verdades absolutas
e disseminadas como vírus
Exile-se e derreta o seu cérebro com a chama mais fulgurosa
com o líquido mais ácido
Tenha rancor
guarde mágoas
Transcreva as formas e linhas da vida e
finalmente
torne-se um poeta
quinta-feira, 26 de setembro de 2013
Criancinhas são comidas
Os comunistas comiam criancinhas
Os comunistas usam todos a mesma roupa
No comunismo tu não podes escolher no que trabalhar
No comunismo não podes escolher nem a religião que queres
seguir!
Viva a liberdade de escolha do capital!
onde a moda é o jeans
mas experimente andar de ceroulas na rua
a religião é cristã
[predominantemente]
Mas quem manda é judeu
e somos sujeitos a entrevistas de empregos
onde escolhem qual de nós é o mais indicado
ou o mais disposto a fingir entrega, satisfação e dedicação
com algo que nunca fizemos
em um ambiente que nunca frequentamos
e pessoas que nunca suportamos
Já as criancinhas são comidas em qualquer parte do mundo.
segunda-feira, 23 de setembro de 2013
Os Caras
Leio os caras
eles usavam trapos
dormiam nas praças e becos
torravam dinheiro com bebida
e alugavam quartos que pareciam
menos confortáveis
que caixas de papelão molhadas
Durmo em uma cama confortável
numa casa que não é minha
tenho computador
[que me foi dado]
ganho de seiscentos a setecentos reais por mês
Não compro roupas
Sigo as regras do jogo
Bebo socialmente
Entro em depressão
Frequentemente
Na verdade
o perdedor
sou eu mesmo
quinta-feira, 19 de setembro de 2013
Uma esmola para Jesus
Dois amigos caminhavam em direção a
uma parada de ônibus próxima ao cemitério da cidade. Conversavam trivialidades
e faziam piadas. A noite era ventosa e fria, porém, tranquila. Um sujeito que caminhava no sentido contrário, vestindo touca verde, uma grossa jaqueta de nylon azul e vermelha e manchada por coisas como graxa, cimento e sopa, e calças jeans rasgadas e desbotadas, os abordou:
- Aí, mano, desculpa te incomodar...
É que eu sou morador de rua, trabalho fazendo uns bicos aí, carregando cascote
e tal... Não roubo, não sou ladrão, tá entendendo? E queria saber se podias me
arrumar uma moeda aí, qualquer coisa, só para eu poder comer?
- Claro, cara. - um dos amigos abriu a carteira
e retirou uma nota de dois reais - Espero que isso ajude.
- Po, muito obrigado! E desculpa
qualquer coisa. Uma boa noite pra vocês. - e seguiu seu rumo.
Alguns instantes de silêncio se
fizeram, enquanto os três tomavam seus rumos.
- Meu, porque desse dinheiro
praquele cara?
- Por que não? Não ouvisse o homem?
Ele disse que estava com fome.
- Todos dizem...
- E outra, ele podia ser a
reencarnação de Jesus. Se eu for bom, ele me leva para o céu.
- Não viaja... - Um novo silêncio entre os dois se fez. Uma moto passou zunindo quase atropelando uma velha que atravessava a rua. Os cães latiam para os gatos transando em cima dos telhados e o cheiro de janta sendo requentada saía das casas. - Dava para a Igreja,
então. - Quebrou finalmente o silêncio.
O sujeito olhou pensativo para o
céu. Reparou que a lua estava cheia, amarelada e parecia maior do que de costume. O vento
soprava forte, fazendo o capuz da sua jaqueta ondular. As árvores curvavam-se a
essa força majestosa da natureza. Um redemoinho de latas, folhas de papel,
sacos de lixo e poeira se formava na esquina.
- Melhor não.
sexta-feira, 13 de setembro de 2013
O Sistema
E os supermercados continuam cheios
As ruas entupidas de modelos esportivos zero quilômetro
Os bancos, sempre em prejuízo, cada vez mais lotados
Filas para idosos, filas para deficientes
Filas para grávidas e para os que estão com o pé na cova
contas a pagar
sexo, escola, música, literatura, teatro
televisão
futebol, carro e cerveja
A santa cerveja
Do que é mesmo que eu estava falando?
As ruas entupidas de modelos esportivos zero quilômetro
Os bancos, sempre em prejuízo, cada vez mais lotados
Filas para idosos, filas para deficientes
Filas para grávidas e para os que estão com o pé na cova
contas a pagar
sexo, escola, música, literatura, teatro
televisão
futebol, carro e cerveja
A santa cerveja
Do que é mesmo que eu estava falando?
domingo, 8 de setembro de 2013
Sobre a Pressa e a Preguiça
O tempo é curto
e o poema é longo
O poema é longo
e a preguiça tamanha
O poema é curto
O tempo é ínfimo
E a preguiça é infinta
e o poema é longo
O poema é longo
e a preguiça tamanha
O poema é curto
O tempo é ínfimo
E a preguiça é infinta
sábado, 24 de agosto de 2013
Limbo
Paulo não sabia onde estava. Não se lembrava de ter saído
de casa naquele dia. Sabia que era quarta-feira, o dia estava ensolarado, os
pássaros piavam, mas não se lembrava de ter saído do conforto de seu lar.
Era um imenso corredor com um tapete vermelho, semelhante
ao desses eventos de gala, com uma borda dourada, deixando descoberto uma faixa
de menos de um palmo de largura nas laterais, que revelava um piso de pedras
cinzentas acuradamente cortadas do mesmo tamanho. As paredes eram verde musgo e
tinha uma janela em cada lado na metade do corredor. Supunha que era a metade,
pois não enxergava nem o início e nem o fim da peça, apenas uma densa escuridão.
O sol estranhamente entrava sob a mesma angulação e sentido nas duas janelas, de
fora para dentro, projetando sombras bruxuleantes das cortinas de seda tão fina
que pareciam transparentes, ao ritmo suave de uma refrescante brisa, que, assim
como os raios de luz, projetava-se para dentro do ambiente convergindo para
dentro do mesmo.
Decidiu, então, caminhar para frente. Todavia, conforme
caminhava, parecia não sair do mesmo lugar. As janelas permaneciam sempre à
mesma distância, como se ao caminhar, o corredor se alongava. E mais, quanto
mais progredia, mais intensa a brisa, que entrava pelas janelas, se tornava e,
mais fraca a luz do sol ficava. Cada vez mais sem entender o que se passava,
Paulo se desesperava. Começou a suar frio e sua respiração estava
descompassada. Girou sobre os calcanhares e começou a correr. Corria como nunca
o fizera na vida. Apenas notava que a luz diminuía cada vez mais e a brisa
havia se transformado numa ventania. Olhou para trás e... SURPRESA! Era como se
não tivesse se movido um centímetro sequer. Ali estavam as janelas e as
malditas cortinas transparentes...? Não, elas não eram mais transparentes.
Estavam adquirindo uma tonalidade bordô. Mas o que estava acontecendo?!
Exaurido, o rapaz se curvou, colocando as mãos nos joelhos. Arfava e o suor
escorria pelo rosto, juntando-se no queixo e caindo em forma de uma única gota
grossa no chão. Reparou que seu suor estava formando uma poça negra no chão.
Não era o tapete molhado que ficou mais escuro, mas sim uma poça negra como
piche. Paulo caiu sentado. “O que é isso, meu Deus?!”, balbuciava repetidamente
sem se dar conta que o fazia. A poça começou a se espalhar, como se tivesse
criado vida. Ela se alastrava pelo chão e pelas paredes e subia para o teto. Em
pouco tempo cobriu todo o corredor, pelo menos, tudo o que Paulo conseguia ver.
Nesse ínterim, a brisa só aumentava e a luz do sol ia
embora, trazendo mais e mais penumbra.
Assim, o rapaz ficou imerso numa escuridão completa.
Sentia a textura viscosa da poça, mas ela não parecia sujá-lo. Sentia – e ouvia
– que ela borbulhava, mas não queimava.
Começou a ouvir um ruído que parecia um gemido. Paulo
tentava se manter são, tentava se manter, pelo menos, calmo, na verdade. Agora
repetia: “acorda, acorda, acorda, acorda, acorda”, porém, sem sucesso. O gemido
agora era alto. O jovem fechou os olhos e fazia o sinal da cruz e começava a
balbuciar algum tipo de reza. Então, o gemido parou. Paulo estranhou e ficou em
silencio por um tempo, mas mantinha os olhos fechados. Sentiu que o vento havia
cessado também. Abriu lentamente os olhos. A luz do luar agora banhava o recinto.
O negro havia sumido, deixando, no entanto, as paredes, o teto, e o tapete
totalmente degradados, como se haviam envelhecido décadas: buracos, mofo e
tinta descascada. As cortinas tinham uma tonalidade escarlate, mas estavam
igualmente degradadas e mofadas.
Da escuridão à frente, percebeu que uma silhueta vinha em
sua direção. Junto com essa forma, retornaram os gemidos. O coração do rapaz
disparou. Já não se perguntava mais o que estava acontecendo e nem onde estava.
Essas, cada vez menos, eram suas consternações. A silhueta ganhava formas mais
distinguíveis conforme se aproximava da luz azulada do luar. O gemido agora
carregava junto um choro sofrido. Um choro de profunda agonia. Pelo tom,
parecia ser uma mulher... Não, uma menina. Agora era possível ver que uma
menina, de longos cabelos lisos e negros como a noite, escorridos na frente do
rosto, que também era coberto por suas duas mãos, e vestida com uma longa
camisola branca, poderia ser a fonte de tais sons fantasmagóricos. “Poderia” e
“fantasmagóricos” porque, apesar de estarem ali apenas Paulo e essa nova
personagem, os sons não pareciam vir dela. Ao chegar no meio do corredor e
perfeitamente entre as duas janelas, a menina, que, agora, melhor visível do
que nunca, estacou. Um breve silêncio se fez. Paulo se levantou e tentou falar
com a menina, perguntou o que estava acontecendo e onde estavam. Nenhuma
resposta. Ela aparentava ter dezesseis anos. Paulo deu um passo à frente,
insistindo com suas perguntas. Ela baixou os braços, fazendo-os penderem ao
lado do seu corpo. Os choros e gemidos retornaram mais altos do que nunca, e
com um adicional: gritos. Gritos hediondos de todos os tipos. Gritos de
desespero, gritos de agonia, gritos de pavor, de morte, de loucura... Risadas!
Sim, risadas macabras e histéricas da loucura provocada pelo desespero. Os sons
pareciam vir de tudo que era direção. Pareciam brotar das paredes, do chão, do
teto, das cortinas, do luar, da camisola da menina, da própria menina que se
mantinha inerte e com os braços pendidos ao seu lado.
Paulo buscou toda a coragem e sanidade que lhe restava e
tentou dar um novo passo a frente. O sucesso lhe deu coragem para prosseguir.
Mais um, e outro, mais outro. Dessa vez os passos o faziam chegar mais perto
das janelas e da garota. Quando se aproximou dela, percebeu que uma mancha
vermelha se formava na altura do seio esquerdo da menina. Era sangue. Paulo
correu em direção à menina e, assim que estava perto o suficiente para toca-la,
ela é soerguida misteriosamente do chão e, projeta um urro gutural seguido de
estalos, que pareciam um único e grave, vindo de cada osso de seu corpo e
desabou, como se o seu corpo havia perdido a vida que possuía, como uma
marionete na qual cortaram suas cordas, com os membros todos dobrados em
ângulos totalmente incorretos. O caos formado com os choros, gritos e gemidos
cada vez mais aumentava em quantidade de vozes e altura do som. O sangue vazava
rapidamente, formando uma enorme poça no chão. Paulo se debruçou sobre a
menina, tentando reanima-la. Quando tocou com o joelho no chão, percebeu que
havia um leve relevo. Estranhou e rapidamente levou os olhos até o local. Era o
rosto de uma criança. O rapaz gritou e levantou rapidamente, escorando-se na
parede. Do ângulo que estava, conseguia olhar para o lado de fora através da
janela. Nada além de uma relva e escuridão. Sentiu algo gelado tocar sua perna.
Sobressaltado, olhou para baixo e viu uma mão... Duas, cinco, oito, treze e
cada vez mais e mais braços e mãos saindo das paredes. Paulo pulou para o centro
do corredor, onde os braço não poderiam lhe alcançar. Sentiu que pisava
novamente em alguns tipos de caroços, e percebeu que aquele único rosto, agora
havia se multiplicado em centenas. Centenas de rostos de crianças, adultos,
homens, mulheres, velhos... Os gemidos cada vez aumentavam mais. Paulo não
conseguia mais suportar o barulho e acabou caindo atordoado no chão, tentando
tapar os ouvidos. Percebeu que a menina se sentou desengonçadamente e Parecia
que ela recolocava os membros no lugar. Era como se fossem mãos invisíveis que
a montavam. O rapaz tremia. Sentia que o pingo de sanidade, o qual tentava a
todo custo se agarrar, escapava lentamente por entre seus braços. Sentia a
textura da razão, gelada como argila, vazar por entre seus dedos, conforme apertava,
tentando mantê-la ali, no seu devido lugar. A menina engatinhou até ele. Seus
olhos estavam estalados e ela não parecia olhar para ele. Olhava em sua
direção, mas, não pareciam olhar para ele. Ela girava a cabeça levemente para a
esquerda, e depois levemente para a direita. Então, seus olhos adquiriram uma
serenidade perturbadora, e os lábios uma inocência encantadora e o sorriso que
se projetava por eles não exibiam emoção nenhuma. Paulo se encolhia em posição
fetal. Os olhos da menina começaram a ser consumidos por chamas negras. Seu
sorriso se tornou em uma risada, que se transformou em gargalhada. Paulo sentia
um cheiro de enxofre saindo da boca da garota. O cheiro tornava a respiração
praticamente impossível.
O
rapaz gemia. Desespero, agonia, pavor... Loucura. Paulo não sabia o que estava
na sua frente. Paulo não sabia mais quem era Paulo. Paulo não sabia mais se
hoje era quarta-feira ou se era domingo. Paulo não era mais nada e nada mais
era Paulo. Paulo gritava. Paulo tentava agarrar o que quer que fosse, o que
quer que estivesse a sua frente, ao seu alcance, para tentar sair dali, mas não
conseguia. Sentia alguém pisando em seu rosto. Via alguém tentando acudir uma
jovem menina caída macabramente no meio de um corredor com paredes verde musgo
e tapete vermelho, todo mofado e esburacado.
Palavras
não se formavam mais no que sobrara de sua consciência, apenas gritava,
chorava, gemia, puro desespero, agonia e loucura
sábado, 17 de agosto de 2013
O Autoflagelo de Quintos
Estava tudo calmo no centro de
comando quando, de repente, o alarme dispara. O caos toma conta. Soldados com
seus uniformes brancos correm de um lado para o outro, profissionais altamente
especializados no maquinário tomam seus lugares, e o general sai de dentro de
sua sala, com um copo com uma dose de whisky vagabundo (com gelo) na mão
direita e um charuto na esquerda.
- Capitão Ribons! Situação? – Grita
o arrogante general.
- Senhor, a fricção externa está
causando um aumento da pressão e a temperatura está aumentando gradualmente.
Ainda é estágio inicial.
- E os novos recrutas?
- Estão se preparando para a missão.
- E o canhão?
- Já está sendo erguido. Neste exato
momento em que falamos, um destacamento está se encarregando da preparação para
o disparo.
- Muito bem, capitão. Não me
decepcione. Já erramos o alvo incontáveis vezes somente nessa semana. E o nosso
retrospecto geral não é nada bom também.
Nesse momento, o tenente Baahls se aproxima
e interrompe a conversa.
- Senhor – bateu continência –
temperatura e pressão estão se aproximando dos níveis críticos. Canhão
preparado e pronto para disparar.
- E os recrutas? – Perguntou o
general, sem muita paciência.
- Ainda não estão prontos – rebateu
de forma cordial.
Nesse momento, recruta Zé conversava
com um companheiro de batalhão. Estava excitado, muito ansioso e confiante.
- Dessa vez vamos conseguir. Tenho
certeza que o nosso pelotão vai dar glória a essa unidade.
- Como pode ter tanta certeza? Até
hoje essa unidade nunca acertou o alvo. Pra falar a verdade, eu nem sei o que
estou fazendo aqui.
- O general já traçou o plano, você
estudou ele?
- General... Enquanto o supremo
comando não se der conta que só erramos por causa deles mesmo... Não há general
que consiga traçar um bom plano.
- O que quer dizer?
- Quero dizer que, provavelmente, é
mais uma missão suicida.
- Como pode ter tanta certeza?
- Antes de vir para esse regimento,
já vi vários contando glórias de que seriam os primeiros a acertar o alvo, mas
nunca chegaram nem perto. Não pode ser culpa de cada um de nós recrutas e...
O general invade a sala e começa a
berrar ordens.
- Vamos, seus vermes incompetentes!
Estamos prestes a disparar e não tem metade de vocês na estação de lançamento!
Seus imprestáveis! – Assim, os recrutas, em total caos, correm para as saídas
em direção a estação de lançamento. Zé segue a conversa com o colega.
- Decorou o mapa? – Perguntou.
- Nem me dei o trabalho.
- Nossa, cara, nossa missão é de
extrema importância... Devias te orgulhar... Olha aqui, eu fiz uma cópia para
mim, apesar de ter decorado já, queres?
- Tanto faz... – O colega pegou o
mapa e o guardou no bolso do uniforme.
Na estação de lançamento, o capitão
Ribons, utilizando-se de um megafone, passava as últimas instruções, dividindo
os recrutas em pelotões. Zé e o amigo ficaram no segundo grupo.
- O canhão não suporta que todos
vocês sejam lançados ao mesmo tempo, assim, pelas nossas contas, serão
necessários três disparos para enviá-los ao território. Por uma maior chance de
sucesso, os dois primeiros disparos terão a capacidade máxima permitida, o
último grupo estará mais desfalcado, mas não será problema, uma vez que os dois
primeiros grupos já deixarão o caminho mais limpo e também recursos extras. Se
necessário, utilizem-nos. Uma boa sorte a todos e honrem o uniforme que vocês
vestem! – Assim, um grande grito de “URRAAA!” ecoou pela estação de lançamento.
- Capitão, pressão está em noventa e
nove por cento. É agora. – Um sargento informou Ribons.
- Aos seus postos! Aos seus postos!
– Berrou no megafone, depois virou para o tenente Baahls e avisou-o, dessa vez
sem o uso do megafone – Ao meu sinal... – Olhou para o General que aguardava
observando os níveis de pressão em uma espécie de barômetro analógico. Cinco
segundos depois, o general fez o sinal, e o capitão deu a ordem.
O primeiro pelotão foi lançado pelo
canhão e, menos de um segundo depois, o pelotão do recruta Zé é projetado.
Zé recordava o mapa e todas as
instruções e do treinamento de esquiva dos produtos químicos. Estava confiante.
Foi despertado de suas memórias quando uma enorme força o fez voar pelo canhão.
Feliz, ele se preparou para a aterrissagem... Quando saiu pelo canhão, observou
que o ambiente encontrado não era o esperado. Estava voando pelos ares, em
direção a um oceano infinito. Assustado e sem saber como reagir, acabou se
chocando contra a água. O desespero dos pelotões era evidente. Não tinham sido
treinados para isso. Não se alistaram para isso. Alguns pediam por suas mães.
Outros se afogavam. O caos. O terceiro batalhão chegou e tiveram a mesma
surpresa e a mesma sina. Zé lutava para se manter flutuando.
De repente um barulho infernal, como
o de mil bombas estourando ao mesmo tempo e, em seguida, um redemoinho colossal
começou engolir a tudo e a todos. Os homens gritavam. Milhares. Não. Milhões de
jovens soldados foram arremessados para morrer por causa de uma falha no plano
do Supremo Comando. O nível da água começou a baixar a uma velocidade
impressionante. Zé, em seus últimos suspiros de vida avistou uma caverna, para
onde toda a água estava sendo levada e, em seguida, tudo escureceu.
quarta-feira, 14 de agosto de 2013
As Crônicas de Folsom - Passos Perdidos
Estava escuro. Muito escuro. Luana
havia se perdido naquela floresta. Escuridão total. Olhava para o céu. Não
havia estrelas. Não havia Lua. Apenas o negro, o vazio, a imensidão do nada.
Olhava para frente. Nada. Olhava para o chão. Nem os pés enxergava. Sabia que
eles estavam ali, todavia. Sabia disso porque doíam. Perdera a noção do quanto
andou por lá. Curiosamente não conseguia lembrar quando se perdeu, e nem como
se perdeu. Recordava de estar ali, perdida. Entretanto, não era amnésia.
Lembrava do seu nome, da sua idade, de como era quando tinha dez anos, quatorze
anos, dezesseis e dezoito anos, de suas alegrias, sonhos, desejos... Enfim,
tinha plena ciência de suas memórias.
No entanto, não sabia onde estava ou
para onde ia. Esbarrou em uma árvore. Levou as mãos ao rosto, tateando-o para
se certificar de que tudo estava onde deveria estar. Sentou-se. Continuava com
as mãos no rosto. Começou a chorar. Soluçava a pobre alma. Desespero e exaustão
vertiam por aqueles lindos olhos castanhos, acompanhando as lágrimas.
Após um tempo que não conseguia
precisar, acalmou-se. O choro aliviara um pouco a alma. Concentrou-se para
tentar acostumar os sentidos à escuridão. Percebeu que o lugar era mais macabro
do que pensara. Tinha certeza de que se tratava de uma floresta – ou bosque -,
pois lembrava de adentrá-la, daquela entrada macabra, onde as árvores formavam
uma espécie de passagem, levando a um corredor sombrio, que a cada passo
escurecia. Logo em seguida tentou fazer o caminho inverso, porém, não encontrou
mais a saída. Tendo essa certeza de que se encontrava em uma espécie de bosque,
não conseguia escutar os sons da fauna. Na verdade os únicos sons que conseguia
ouvir eram o do vento agitando as árvores, e os seus passos. Percebeu, assim
que inspirou com força, que, gradualmente, seus sentidos estavam lhe falhando.
O cheiro forte e penetrante do capim e da terra, agora não passavam de leves
fragrâncias sentidas a uma distância considerável. Não sentia mais o contato de
suas mãos em seu rosto. Sua boca, agora, era como um grande buraco recheado de
nada. Nem a saliva sentia. Tocou sua língua. Ou, pelo menos, pensava ter feito
isso. Nada. Silêncio. Silêncio... Silêncio... Não lembrava de jamais ter
testemunhado tamanha ausência de ruídos, então, gritou a plenos pulmões. Ou
pelo menos fez os movimentos... Ou não. Simplesmente não sabia se havia obtido
êxito. Não sabia mais se estava sentada, se estava deitada ou de pé. O que lhe
confirmava que ainda existia era sua capacidade de pensar. Tinha consciência.
Tinha medo, pavor, desespero... Lembrou-se novamente de seus sonhos, de seus
desejos... De suas ânsias...
Mais uma vez perdeu a noção do
tempo. Com o que restou de sua existência, ordenou que suas pernas se movessem.
Ainda não sabia se a ação tornou-se concreta ou se era apenas uma mera
abstração de um sopro de ser. Talvez sim, talvez não. Não esbarrou em nada,
pelo menos. Será?
Acreditava que andava. Já sem
esperanças, as mágoas, arrependimentos... Tudo o que havia deixado de fazer, o
que fez e jamais queria ter feito, passavam em sua mente como um filme. Pedia
perdão, mas não obtia resposta. Suplicava. Ainda sem resposta.
Inimagináveis e imensuráveis momentos
depois decidiu que “tanto fazia”. Havia fugido durante toda a vida daquilo tudo
e, quando chegou ao ponto de implorar o perdão divino, ficara sem uma maldita
resposta. Relembrou outra vez seus sonhos e seus desejos. Agarrou-se
ferrenhamente a eles. Sentiu que algo mudava dentro de si e ao seu redor.
Continuava sem enxergar nada, mas o
som... Os sons, melhor dizendo, voltavam lentamente. Sentiu um leve cheiro de
terra molhada. Em seguida, o do capim. Dormência. O corpo todo estava dormente
agora, formigava.
Passos. Escutou passos. De todos as
direções. Inclusive acima e abaixo de si.
Ao seu redor, uma luz começou a
brilhar. Conseguia enxergar parcamente o que havia a sua frente. Apenas borrões
que, aos poucos, tornavam-se nítidos. Visualizou uma silhueta a sua frente. Ela
projetava uma sombra enorme no chão. A imagem dele e de tudo o que ele
representa para si se formava em sua mente. Rápida e surrealmente a distância
entre ele e ela aumentou, tornando-o apenas uma mancha em uma clareira ao
longe.
Luana começou a correr. Corria
desesperadamente. Finalmente achou o caminho. Agora era um belo dia e, à medida
que avançava, a floresta ia ficando para trás, o céu azul se tornava
perceptível acima da copa das árvores. Todos os sons da fauna que aquele bosque
podia conter também passaram a serem pronunciados, acompanhando o desesperador
ruído do vento e dos passos.
Via ele ao longe. Por mais rápido
que corresse, a aproximação era lenta. Beirando a exaustão, lembrou-se outra
vez de seus sonhos e de seus desejos, principalmente do último: o de estar ao
lado dele. Encontrou as energias necessárias e se pôs novamente a correr.
- Finalmente! Finalmente te
alcancei! – Disse a garota exausta ao chegar perto do rapaz. Exausta e
eufórica.
- Que pena que chegasse só agora...
– Ele respondeu.
- Como assim? – Indaga sem entender
o que se passava.
- É que eu preciso subir aquela
colina agora. – E disparou a toda velocidade.
Luana ficou ali. Parada. Sentindo as
pernas tremerem. E sem olhar para trás, ele a abandonou, levando consigo todos
os sonhos, desejos e memórias.
*Baseado em "Montreal - Passos Perdidos"
domingo, 11 de agosto de 2013
Na caneta a loucura
Me deparei com um circulo
Todos um dia irão
Ele representa um ciclo
Imposto a todos que aqui estão
Fugi e corri
Dormi e acordei
Procurei por algo
Que eu nunca encontrei
O horizonte nunca foi claro
Sem uma linha
Sempre distante
Sentindo-me solitário
O papel é a terapia
Na caneta a loucura
É como Freud na teoria
A drogadição como desculpa
Ganha formas na escrita
Todos um dia irão
Ele representa um ciclo
Imposto a todos que aqui estão
Fugi e corri
Dormi e acordei
Procurei por algo
Que eu nunca encontrei
O horizonte nunca foi claro
Sem uma linha
Sempre distante
Sentindo-me solitário
O papel é a terapia
Na caneta a loucura
É como Freud na teoria
A drogadição como desculpa
Ganha formas na escrita
terça-feira, 6 de agosto de 2013
As Crônicas de Folsom - Fonográfica (pt.2 de 2)
- Onde estávamos? – perguntou Frank.
- Ias me falar quem teria interesse
na morte do cara.
- Os donos dos artistas, Jack. As
gravadoras.
- Aahh... Mas continuo sem entender
o motivo de matar... Não tenho nada o que ver com isso, porém apenas não
entendo.
- Você já estudou na escola sobre
aqueles grandes pintores antigos, como Picasso, Da Vinci e companhia, certo?
- Faz tempo...
- Não importa. Tu sabes que a
maioria desses caras viveu num certo ostracismo, certo?
- É...
- E que os quadros deles, quando
eram vivos, não valiam um tostão furado. Os que ficaram famosos ainda vivos
conseguiam vender suas pinturas por uma boa quantia, mas... Sabe o valor da
Monalisa?
- Nem ideia.
- Bem, eu posso te assegurar que não
cabe num cheque, por causa dos zeros.
- Acho que estou começando a
entender.
- Isso mesmo. O fato de matar o
infeliz... No mundo artístico não funciona do mesmo jeito que no nosso – fez um
gesto com os dedos indicando aspas – mundo. O Jack morre, e não temos mais o
nosso melhor profissional. Ficaríamos desfalcados. Agora no Showbusiness...
Ninguém vai substituir o polaco e é isso que eles querem mesmo. Já imaginou o
que eles não vão ganhar com álbuns póstumos, as famosas faixas perdidas do
álbum tal, coletâneas, camisetas, filmes, livros...
- Mas a lei não dá direito dos
lucros para a família dele e etc?
- Como que tu achas que eu consegui
a chave da casa dele?
- Tá me dizendo que a mulher dele...
- É isso aí... Pelo que eu soube,
eles dividiram a grana e, com certeza, isso vai dar merda mais pra frente,
entretanto, como eu te disse anteriormente, não nos interessa. Fomos
contratados para executar. O problema é deles se der errado.
- Nunca cogitou que, na hora do
aperto, caso uma coisa dessas viesse à tona, eles mandassem fogo pra cima da
companhia? – Frank deu uma risada.
- Jack... Jack... Eles não seriam
loucos... Sempre tem alguém querendo ganhar alguma coisa em cima de alguém... E
se eles se fresquearem um dia... Nós conhecemos caras como você que aceitariam
fazer um belo serviço. E eles sabem disso.
- E se alguém se recusar? – Frank
parou e abriu um sorriso malicioso para o assassino.
- Nós sabemos onde vocês moram.
Jack tentou esconder com um sorriso
amarelo que a sutil ameaça havia surtido efeito. Por sorte a garçonete chegou
trazendo seus pedidos. Ambos comeram em silêncio. Frank fumou mais um cigarro,
então entregou um pacote para o algoz, uma nota de vinte dólares para o café
mais a gorjeta para a garçonete/fã abalada pela morte do ídolo, como um alento
ao sofrimento da pobre menina, depois, levantou e saiu. Jack pegou o jornal e
começou a ler.
Queria ter podido estourar os miolos
do gordo presunçoso, mas estava satisfeito. O dinheiro daria para passar o ano
sem se preocupar muito. Olhou os classificados, procurando se tinha algum
emprego interessante. Não achou nada.
Levantou e foi embora.
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
As Crônicas de Folsom - Fonográfica (pt. 1 de 2)
Jack havia chegado em casa depois de
um longo dia no trabalho. Era tarde da noite. Os filhos, Brenda e J.J. já estavam
dormindo. Largou a pasta em cima do console, que fica ao lado da porta de
entrada, e o sobretudo no cabideiro. Era início de abril, o que significa que a
primavera estava recém começando em Seattle, não que isso queira dizer muita
coisa, afinal, temperaturas baixas são constantes, mas nada que o sistema de
calefação da casa não pudesse resolver. Jack largou as chaves também em cima do
console e começou a subir as escadas, tentando fazer com que os passos exaustos
e pesados não acordassem as crianças.
Chegando ao segundo andar, notou que
a porta do seu quarto estava aberta e que o inconfundível brilho de uma TV
acesa num ambiente escuro pulsava. Com calma foi até lá e encontrou a esposa –
Mônica – adormecida sobre a cama. Chegou ao batente da porta, escorou-se e
amaldiçoou-se pela falta de sorte. A bela morena, que manteve o corpo esbelto e
sensual, mesmo após duas gravidezes, esperava por seu marido, vestindo uma
lingerie nova. Era uma baby doll branca de seda e a calcinha, também branca, de
rendinha. Ela até estava usando uma gargantilha preta, o acessório favorito de
Jack. Tudo indicava que a noite seria daquelas para serem lembradas...
Frustrado, tomou seu banho, amaldiçoou o merda do cantorzinho que teve que
matar, e teve que contentar-se em dormir de conchinha com a esposa.
No dia seguinte, Jack aguardava
Frank no lugar combinado: um café defronte a estátua de Jimi Hendrix, mas na
calçada oposta. O lugar estava movimentado, como sempre, e Jack estava ficando
sem paciência com o atraso do contratante.
- Fez um belo trabalho, heim, Jack.
– Frank largou o jornal do dia com a manchete principal “Astro do Rock é
encontrado morto na própria casa” em cima da mesa. Jack consultou o relógio e
não fez questão de olhar para o homem.
- Está atrasado.
- E daí? O interesse é todo seu, meu
camarada.
- Trouxe a grana? – ignorou o
comentário do sujeito baixo, gordo e com uma careca bem no topo da cabeça,
rodeada por ralos fios loiros, que trajava uma jaqueta azul marinho.
- E alguma vez eu esqueci?
- Por que demorou?
- Está brincando, certo? – Frank se
sentou, tateou os bolsos atrás do maço de cigarros e do isqueiro, acendeu, deu
uma baforada para o alto, se inclinou e baixou o tom de voz, enquanto Jack
sorvia um gole de café. – Você acaba de matar o maior astro rock da atualidade,
febre mundial dos últimos cinco anos e não quer que eu não pegue um
congestionamento de trânsito devido a manifestos de luto protagonizados pelo
seu bando de fãs retardados?
- Eu não peguei engarrafamento
nenhum.
- Ah, não me amola, Jack. Como eu
disse, o interesse é todo seu. Você é quem tem que esperar eu chegar com a
grana, que não é pouca, diga-se de passagem.
- Escuta aqui, seu gordo careca de
merda, ontem eu perdi o que foi, provavelmente, uma das melhores fodas que eu
daria com a minha esposa por causa desse polaquinho de merda que vocês quiseram
enterrar. – Frank começou a rir.
- Calma, Jack. Calma... Não desconte
em mim... Eu sou o cara das boas notícias, lembra? Eu te dou o recado e te
recompenso pelo seu belo trabalho. Olha, o cara que tinha que morrer... A culpa
é dele que você não comeu a sua mulher e... Veja bem, você já se vingou dele
antecipadamente, e eu estou te pagando por isso. – Jack não pôde deixar de
concordar com o homem, inclusive amoleceu a expressão do seu rosto. – Isso,
agora está melhor... – emendou ao ver a expressão se afrouxar - Olha, vou
deixar ainda melhor. Escolhe o que quiseres pra comer. Nós pagamos. Fica por
conta da Fonográfica. Que tal?
- Certo, Frank... Tudo bem... Mas,
eu não entendo, cara... Se o sujeito era tão bom, porque vocês decidiram
matá-lo? Agora ele, obviamente, não vai mais poder fazer nada novo, entende?
- Olha, eu não devia te contar isso,
cara, porém, nos conhecemos já faz dez anos... Não vejo problemas... Enfim,
vamos lá: a verdade é que, não nos interessa.
- Como assim?
- Jack, não somos nós quem decide
quem morre. Nós somos que nem você, meu camarada. Nós somos apenas o fragmento
que age. Quem decide são os próprios donos desses sujeitos.
- Não estou entendo. – Uma garçonete
se aproximava, os homens trocaram o assunto por outro cheio de trivialidades para
disfarçar. A menina, loira, dezesseis anos, usando uma camiseta preta com o
rosto do cantor assassinado, estava visivelmente abatida e perguntou o que
ambos iriam comer. Jack pediu um sanduíche de carne e Frank apenas um café bem
forte. Ambos tiveram que repetir, porque ela não parecia prestar atenção. Só
quando tiveram certeza de que ela não poderia ouvi-los, retomaram a conversa.
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
Ensandecência
A sombra de fogo negro
interna e demoníaca
espreita e espera a vazão
Por vezes extrapola e derrama
Refletindo no espelho da mente
Tomando o Ser
o Eu
A sombra de fogo negro
de olhos escarlate e garras invisíveis
abraça devagar
rasga em instantes
e sorri com lágrimas de sangue
Destrói e corrói
Debocha e zomba
Fala
e fala
e fala
e fala...
Com seu abraço
sobra uma carcaça
concha abandonada
em busca de algo perdido
que nunca se importou de ter
interna e demoníaca
espreita e espera a vazão
Por vezes extrapola e derrama
Refletindo no espelho da mente
Tomando o Ser
o Eu
A sombra de fogo negro
de olhos escarlate e garras invisíveis
abraça devagar
rasga em instantes
e sorri com lágrimas de sangue
Destrói e corrói
Debocha e zomba
Fala
e fala
e fala
e fala...
Com seu abraço
sobra uma carcaça
concha abandonada
em busca de algo perdido
que nunca se importou de ter
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Mephisto
Era um quarto
minúsculo. As paredes descascavam e a tinta branca dava lugar a um mofo verde
com algumas tonalidades amarelas. Francisco estava ali dentro. Sentia-se
atraído por aquele lugar. Algo o arrastava até ali. Como havia chegado lá? Não
sabia... Sabia apenas que lá estava. Uma força gravitacional obscura como o espaço
sideral o sugava naquela direção igual a um buraco negro. Buscou uma janela
para saber onde estava, mas não havia nenhuma. Uma luz iluminava o quartinho,
mas não conseguiu ver a fonte. Era como se fosse de uma lâmpada incandescente
de 40 watts, porém, como dito, não tinha nada. A luz simplesmente vertia do
cômodo.
Percebeu que a
parede a sua frente do cubículo, na verdade eram as costas de um armário e
decidiu ir averiguar.
Nesse
instante, uma velha senhora adentra o quarto. Conhecia aquela pessoa e sabia
que era de longa data, porém, ao mesmo tempo, não fazia ideia de quem era. A
fisionomia era de sua avó, mas não era ela quem estava ai, diante de seus
olhos. Analisava aquela velha senhora usando calças pretas de lã, um casaco
branco e um xale vermelho sobre os ombros. Usava, também, um grande óculos de
armação dourada. Examinou a pessoa por um tempo brevemente eterno.
- Eu me sinto
muito atraído por esse lugar. O que é isso aqui? – perguntou, enfim.
- Esse lugar
possui uma carga muito forte mesmo... Mas, venha, deixa eu te mostrar. –
respondeu a velha senhora. Não questionou, pois sentia que a confiança emanava
dela. Foi quando se deu conta de que, o que menos fluía naquele lugar era o
agradável. Tudo bem que era um lugar pequeno, mas a clausura... Uma claustrofobia
começava a se manifestar. Sentia-se abafado, começava a respirar com
dificuldade. Mesmo com a porta (única saída e única entrada) logo a sua frente,
mesmo com um temor começando a tomar conta de seu estômago, juntando a um
sentimento de alerta, não sentia a menor vontade de sair daquele lugar. Queria,
mas não tinha vontade. Pensava, mas o corpo não obedecia, o que gerava mais
temor... Começou a estranhar quando sentia era vontade de estar ali. As paredes
pareciam fechar-se, o cheiro de mofo se alastrava, e a gravidade do buraco
negro aumentava.
A velha
caminhava em direção as costas daquele armário, quando notou que havia uma
passagem, suficiente para passar um adulto – apertadamente – por vez. Chegando
a passagem, reparou algo que parecia ser uma espécie de mini armário embutido
na parede à direita. Sentiu uma espécie de campo gravitacional emanando dali,
um campo como se fosse produzido pela eletricidade, como se houvesse ali, do
seu lado, uma corrente de alta tensão, um gerador, transformador, etc. Mas era
apenas uma porta dupla com pouco mais de um palmo de tamanho. A cor era prata,
mas carregava, assim como todo o resto do cubículo, as marcas do tempo. Manchas
negras e desgaste. Talvez não fosse de prata de verdade... Não sabia
reconhecer. O estranho eram os puxadores. Eram dois cotoquinhos de madeira em
exemplar estado de conservação. Totalmente lisos. Parece que havia sido lixado
recentemente.
- Isso é um
portal que leva as dimensões inferiores. Não deves mexer nisso agora. – disse a
velha com uma voz indiferente ao prever que o rapaz fosse mexer ali.
- Como é que
é?
A
senhora seguiu caminhando ignorando a pergunta de Francisco. Finalmente
contornaram o armário. Ele era todo de madeira e pintado de branco. Assim como
os puxadores do mini armário, estava em perfeito estado. Até um pouco antes da
metade da altura, ele era cheio de gavetas. Três linhas de quatro gavetas. A
outra metade eram portas duplas e iam até o teto.
-
Ah! – disse a velha senhora com prazer na voz – aqui está! – e olhou para o
jovem com uma expressão muito séria.
O
jovem sentia o quarto totalmente fechado ao seu redor. Tentava, mas não
conseguia comandar o seu corpo. Sentiu que o semblante da velha mudava e
adquiria um tom sombrio. Um tom malicioso, confirmado por um sorriso que se
formava gradualmente no canto da boca, conforme Francisco ia deduzindo o que
estava acontecendo. Algo estava muito errado ali. Via seu corpo mover-se
sozinho e sendo tomado por uma sensação de prazer. Nada haver com sexual ou
perversões. Era como se fosse a satisfação de dever cumprido, aliado a uma
descarga de adrenalina. Ele consegue mover a cabeça em direção a estreita
passagem, mas o corpo não acompanhou. Frustrado, perdeu as forçar e a cabeça
voltou para a posição anterior. Surpreendeu-se quando a velha não estava mais
lá. Sumira como fazia o velho sábio num antigo desenho animado. Entretanto, a
novidade era que uma gaveta estava aberta. Sentia um forte impulso. Queria
pegar os objetos. Era um livro e um cristal... Parecia vermelho sangue, mas
lembrava uma ametista. Uma urgência vindo de fora do lugar invadia seus
sentidos. Sentia que suava frio, mas não conseguia mover as mãos nem os olhos
para constatar. Percebeu que algo havia lhe prendido dentro de seu próprio
corpo. Sentia uma escuridão ao seu redor. Sua visão, agora em forma de túnel
focava apenas no livro e no cristal. Apanhou o livro. A capa era dura e de
couro negro. Percebeu um pentagrama e uma cabeça de cabra na capa, desenhados
com linhas douradas. Juntou toda a força que conseguiu e arremessou o livro,
que se desfez em centenas, milhares de folhas, que choviam infinitamente dentro
daquele lugar. Cansado pelo esforço, entregou-se e assistiu o sua mão apanhar o
cristal.
Uma
corrente de ventos negros emanavam de seu corpo, fazendo as folhas girarem
transformando-se em tornados de papel. Sentia as trevas rugindo em seu intimo e
vazando por sua boca através de um berro gutural e hediondo. O que sobrava de
sua consciência sabia que tinha caído em uma armadilha, que aquela não era sua
avó já sabia, mas não suspeitava que era o que era. Um chamariz, um falso (ou
verdadeiro) “mestre dos magos”. Sentia uma raiva como nunca havia sentido antes
em sua vida. Algo que fazia desentendimentos no trânsito, serem uma brincadeira
de roda; O ódio dos Skinheads pelos negros serem apenas uma paixonite
reprimida; Católicos e protestantes irmãos brigando pelo lugar da frente no
carro...
Queria
matar. Matar tudo e a todos. O simples pensamento da morte lhe enchia o corpo
de um prazer – esse sim, semelhante ao sexual – que o tirava mais ainda de
dentro do seu corpo. As luzes se apagaram... Não... Era uma nova sensação de
visão. Era uma luz negra que criava formas e dimensões na escuridão. Correu em
direção à porta e saiu do cubículo.
Via-se
em casa, agora. Nesse momento de sanidade, sua visão voltou ao normal. Olhou no
espelho do quarto dos pais. Seus olhos eram dominados por chamas negras e
fantasmagóricas. Labaredas que impediam de ver seus olhos, mas sabia que
estavam ali. Algumas veias saltadas em seu rosto, braços e mãos também eram
negras. Suas unhas deram lugar a garras pequenas, mas eram afiadas. Sabia que
eram, pois estavam empapadas de sangue. Sua irmã entrou no quarto e fez contato
visual com o que um dia fora ele. A luz do luar banhava o cenário de um
massacre. Corpos em cima da cama. O jovem, ao ver a irmã, conseguiu, num
esforço tremendo falar, entre dentes, um “corre!” rosnado.
A
menina loira correu. Dois segundos depois a nova visão macabra entrou em cena
fazendo-o perder o controle mais uma vez. Para seu desespero, ele sabia que
corria atrás da irmã. Desesperava-se porque começava a sentir a adrenalina, o
prazer, de fazer o que iria fazer. Agora fazia porque queria. Estava perdido.
As palavras fugiam de sua mente, deixando apenas sensações, instintos...
“Matar” era o que vinha.
Matar...
Matar...
Matar...
E
uma lua cheia vermelha tomava conta dos céus e parecia sangrar a cada nova
vítima.
terça-feira, 23 de julho de 2013
O manifesto da falha
Um manifesto pela falha
A favor do crime
da loucura e da demência
Pelos assassinos
e pelos assassinados
Pelo caos presente nessa pífia tentativa de ordem
Pela desordem na tendência ao correto
ao perfeito
... O mecânico...
Por um mundo onde a dor se faça presente
que a paz seja perturbada
e as bombas explodam
vez ou outra
Para provarmos ao mundo que ainda somos humanos
Para sabermos que sempre seremos um monte de carne, ossos e tendões
Que precisamos beber, fumar e cheirar
Para suportarmos o insuportável
Para podermos olhar para o lado e identificarmos os loucos e os assassinos
Para podermos trancá-los e executá-los
Quando funcionarmos como relógios
Pelo simples prazer de funcionar
sem atrasar ou adiantar
Que matem a todos
Porque a verdadeira demência enfim tomou posse
A verdadeira doença
A perfeição
A favor do crime
da loucura e da demência
Pelos assassinos
e pelos assassinados
Pelo caos presente nessa pífia tentativa de ordem
Pela desordem na tendência ao correto
ao perfeito
... O mecânico...
Por um mundo onde a dor se faça presente
que a paz seja perturbada
e as bombas explodam
vez ou outra
Para provarmos ao mundo que ainda somos humanos
Para sabermos que sempre seremos um monte de carne, ossos e tendões
Que precisamos beber, fumar e cheirar
Para suportarmos o insuportável
Para podermos olhar para o lado e identificarmos os loucos e os assassinos
Para podermos trancá-los e executá-los
Quando funcionarmos como relógios
Pelo simples prazer de funcionar
sem atrasar ou adiantar
Que matem a todos
Porque a verdadeira demência enfim tomou posse
A verdadeira doença
A perfeição
sábado, 20 de julho de 2013
"Algo que você não consegue entender" - Álvaro pt.2 de 2
No outro dia,
por volta das sete da manhã, cerca de duas horas depois de pegar no sono, o sol
da manhã invadia o pequeno quarto fazendo Álvaro acordar. Como sempre, nenhuma
das duas meninas estava ali, o que entristecia o rapaz. Lembrou que Geraldo,
seu melhor amigo estava, provavelmente, dormindo na soleira da porta de
entrada. Atravessou o apartamento revirado. Sorriu com as lembranças da orgia
recente e abriu a porta. Geraldo assustou-se e acordou de supetão. Estava
dormindo sentado e escorado na porta e, quando Álvaro abriu-a, quase caiu de
costas. Álvaro deu uma risada.
- Vem, companheiro, vamos para
dentro.
- Demorou, porra.
- Obrigado por liberar o AP...
- Me deves três, já.
Nesse meio tempo, Jéssica sai de um
apartamento vizinho e passa, encarando Álvaro, com uma expressão de espanto no
rosto. Assim que o rapaz olhou, ela desviou o olhar imediatamente, e apertou o
passo em direção ao elevador.
- Bom dia, Jéssica – cumprimentou a
bela morena que trajava um vestido curto (até os joelhos) branco estampado com
grandes flores púrpuras e generosamente decotado.
A mulher não respondeu. Inclusive
desistiu de esperar o elevador e rumou para as escadas, que assim que começou a
descê-las, fazia com que o “toc-toc” dos sapatos de salto diminuíssem
gradativamente o volume.
- Sempre te esnoba depois da noitada...
– Geraldo falou.
- É... – concordou tristonho.
Em seguida, Paula saiu de outro
apartamento, vestida com seu uniforme colegial. Vestia uma camisa social
branca. Era possível ver o sutiã, comportado, da menina de quinze anos. Uma
saia xadrez vermelha e verde escuro, meias brancas e tênis (All Star)
completavam a vestimenta.
- Bom dia, Paula. Gostou da noite? –
Cumprimentou a menina que, assim que o viu, correu até o elevador, que recém
havia chegado ao andar.
- Vai te foder, seu otário. – Passou
gesticulando com o dedo médio erguido e os cabelos louros e molhados que
deixavam manchas úmidas na camisa à altura dos ombros. Entrou no elevador,
apertou o térreo e pressionava repetida e ansiosamente o botão que comanda o
fechamento das portas automáticas, sem desfazer a cara de poucos amigos e o
gesto obsceno.
- Sempre uma simpatia... – Geraldo
falou ao entrar no apartamento.
- Eu não entendo... A noite sai até
para assassinar comigo. Durante o dia, manda me foder ou fingem que não me
conhecem.
- Por isso prefiro os homens... –
Respondeu o amigo – Agora fecha essa merda de porta que eu preciso dormir na
minha cama. Estou todo dolorido. - Álvaro fechou a porta.
O sol já se punha, quando batidas na
porta despertaram Álvaro de seu descanso. Abriu-a e as meninas entraram
sorridentes, cada uma dando-lhe um caloroso beijo. O rapaz recuperou-se da
depressão da manhã instantaneamente. Como lhe faziam bem essas duas mulheres!
- Adivinha só! Descobri uma farmácia
bem fácil! – Paula falou
- Como assim? – perguntou o rapaz.
- É só um velho que fica lá à noite.
Passamos na frente ontem, lembra? – Jéssica emendou
- Ah não! Não vou matar mais
ninguém!
- Relaxa, não precisa matar ninguém.
É só pegar a grana e sair... É SÓ UM VELHO, ÁLVARO! – Geraldo tranquilizou,
levantando-se da cama.
- Ok, ok! Mas sem arma dessa vez!
- Você que sabe... – falou o amigo.
Assim, o quarteto foi às ruas. A lua
era minguante e os carros ainda engarrafavam o trânsito. Um cachorro mijava num
poste e barulhos de tiros vindo de um beco ecoavam no quarteirão.
terça-feira, 16 de julho de 2013
"Algo que você não consegue entender" - Álvaro pt. 1 de 2
- Nossa... Ficou perfeito! – Elogiou
Jéssica, morena com vestido negro sensual colado ao corpo.
- Eu, definitivamente, não teria
feito melhor – confessou Paula, loira e com uniforme colegial.
- Gênio. – Geraldo elogiou, de forma
indiferente, como de costume, mas Álvaro sabia mais que ninguém, o quão raro
era isso, o que amenizava um pouco a sua ansiedade, nervosismo e culpa. Vestia
uma camisa verde escura justa de mangas longas, cachecol cinza e calças jeans
também apertadas. Era um tipo bem franzino, cabelo raspado e óculos lilás.
- Mas foi um erro! Eu não deveria
ter feito isso! – Álvaro queixou-se. Vestia uma camiseta preta desbotada e um
jeans surrado e rasgado nos joelhos.
- Definitivamente isso não foi um
erro... – Paula falou – Nossa! Estou até excitada. E você, Jéssica?
- Se eu pudesse, transaria aqui e
agora! - respondeu a colegial.
- Vocês não tem jeito mesmo... –
Geraldo falou em tom ainda indiferente.
- Que merda! Que merda! Porra! Olha
o que vocês fizeram eu fazer! – Esbravejava Álvaro.
- Ué... Como se tivesse sido um de
nós quem botou essa arma na tua mão... – Jéssica debochou.
- É... Vamos, Álvaro... Vamos para
casa... Estou precisando de você! – Miou Paula, puxando-o pelo braço indo em
direção a saída da pequena loja de conveniências.
- Que nojo... – Geraldo esboçou a
primeira reação desde que chegaram ao local. Tornou a olhar para o corpo
estatelado de barriga para cima e braços e pernas abertas, assemelhando-se a
uma estrela. Estrela vermelha de sangue, negra como a morte, com alguns miolos
na parede ao fundo e um pequeno buraco na testa. – bem no meio dos olhos... –
Admirou mais uma vez e medindo com as mãos. Quando as duas mulheres e Álvaro
alcançavam a porta, perguntou: - Não está esquecendo de nada não?
- Puta merda! O dinheiro! – Álvaro
correu até a caixa registradora. – Porra! Só tem cinquenta reais aqui! Vocês me
fizeram matar esse homem por apenas cinquenta reais! – Esbravejava novamente.
- Duas mulheres, do nosso calibre –
Jéssica apontou para os seus seios e aos de Paula – Estão implorando para que
vocês as leve para casa para que possamos foder enlouquecidamente pelo resto da
noite, do jeito que você sempre sonhou, e estás preocupado com a morte de um
gordo qualquer que tu nunca vistes na vida inteira? Era só o que me faltava...
- Finalmente decidiu jogar no meu
time? – Debochou Geraldo.
- Vão se foder! – Retrucou Álvaro,
mostrando-lhes o dedo médio.
- E é isso que eu estou pedindo para
que você venha me ajudar a fazer! – Paula retornou até Álvaro e novamente o
puxou. Com mais ímpeto dessa vez.
- A polícia pode chegar a qualquer
momento... Vamos de uma vez. – Geraldo retornou ao seu tom indiferente.
- É mais fácil aparecer uma
testemunha do que a polícia... – Retrucou Jéssica.
- A mocréia tem razão, Álvaro.
Vamos. – Geraldo comentou. Jéssica não deu ouvidos e, dessa forma, Álvaro,
ainda consternado e com adrenalina pulsando em seu sangue, deixou a loja, com
as duas mulheres abraçadas em cada um de seus braços e com Geraldo atrás,
olhando com ar de reprovação aquele afeto heterossexual.
Ao chegar no apartamento, as meninas
cumpriram sua promessa. Transaram loucamente durante a noite toda em um ménage
que deixaria qualquer homem boquiaberto. Daqueles que extrai ao máximo de toda
a mente libertina que existe mundo afora. Geraldo ficou do lado de fora do apartamento,
degustando um vinho suave que roubara da mercaria assaltada, escutando músicas
em seu mp3 player, e privando-se do nojo da relação carnal que acontecia do
lado de dentro.
Assinar:
Postagens (Atom)